eu acreditei que o amor não precisava de seguir as regras da gramática
mas eventualmente pus-lhe um ponto e vírgula
Cheguei a ti com a palavra Amor nos lábios. E disse-te. Que era uma promessa. Que nunca a tinha dado a ninguém. Que era tua. E, nas mãos vazias, trazia só o conceito.
Esse. De um Amor que estava disposta a dar, sem retribuição.
Enchendo-me as mãos com as tuas e o peito de expetativas, disseste-me que eu estava errada. Que só se pode amar plenamente em duo. Que o querias fazer. Comigo. O dueto. Nos teus braços fazia sentido. Por isso, acreditei...
Só que o Amor lida mal com grilhetas. Talvez porque seja um sinónimo muito aproximado de liberdade. Ou talvez porque está cansado de ser confundido, nas ruas, com a paixão e a vontade do corpo e o medo da solidão.
E o Amor disse:
O voo é livre,
mas asas não são liberdade
Uma borboleta
pode ir onde quiser
no seu sopro de asa dupla...
Duas borboletas também...
Mas, se presas uma à outra,
têm quatro asas...
e a morte à espera
no chão...
Do nosso amor em dueto, sobrou o silêncio da calçada. E eu de rojo. Foste e o Amor ficou. Preso à pele suja. Acontece!
À medida que ias, deixando-me nas mãos vazias o espaço dos teus dedos - penhascos negros e com aves de ausência - percebi que sobrava, ainda, o conceito. Do amor. Mas não esse teu amor. Alegadamente pleno. Em duo... Novamente de um amor pleno a solo. Ecoando. Com a mesma genuinidade. Com a mesma ingenuidade. Com a mesma intensidade. Voltei a perceber(-me), porque longe dos teus braços (me) fazia sentido. Basta um. Só um. Para amar.
Cada vez mais acredito que o Amor é um sobrevivente incauto dos dias. Demasiado estável para a instabilidade humana e, por isso mesmo, muito raro.
E é verdade.
eu acreditei que o amor não precisava de seguir as regras da gramática
mas eventualmente pus-lhe um ponto e vírgula
O Amor precisa de gramática, sim! Precisa muito que lhe revejam a gramática. Que o limpem de pretéritos. Perfeitos, imperfeitos, mais-que-perfeitos. Que façam dele um verbo irregular, justamente pela estabilidade que o motiva.
O Amor é demasiado constante para ter tempos passados. Demasiado puro para que não permitam que a conjugação presente se faça em todas as pessoas.
E o seu uso devia ser moderado...
Porque há duetos que o destroem.
E borboletas...
... muitas borboletas a morrer no chão, porque alguém o confundiu, nas ruas, com a paixão e a vontade do corpo e o medo da solidão...
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