terça-feira, 2 de março de 2021

Fénix

 

Fotografia de Astro Photography



Anoitece-me o olhar. Quando o céu olha os meus olhos, as suas nuvens são gás e poeira. Cor. Nesse escrutínio morro e renasço. Vivo. Sejam bem-vindos ao Caos.

 

 

Saio pelas ruas procurando ervas e vigas. Há tons de canela e mirra, de sálvia e de osso. Preparo a pira. Sobre ela me deito. Paixão a paixão, a história vira embarque e ninho. Desapareço nas labaredas da crónica que ninguém escreveu. Consumida pelo gelo cálido das injustiças da Terra.

 

A luz das madrugadas infelizes dita-me dois destinos indulgentes. Força e imortalidade, de mãos dadas com o vazio, transfiguram-se em pó. As penas soltas. Um futuro que ondeia na insensatez da queda. E eu voo para o oculto.

 

Observo o céu aberto onde os pirilampos moram. E ele olha para os meus olhos, que inevitavelmente são mar. Sódio e pranto. Olhos que ardem. Sangram. Neles se reflete toda a imagem do corpo que já não sobra sobre a pira que acendi, regada de amargor e com acendalhas ocas.

 

Palavras e gestos. Ausências. Espaços brancos entre a ode e o ferro. Lâminas de gadolínio. Tóxicas. Com um número atómico indefinido de questões que descrevam o rumo da História.

 

Incendeio-me na aurora e renasço na penumbra do pensamento, quando anoiteço. Os olhos interessados do céu, focando-se em mim como se fosse braço estrelar de uma constelação qualquer.

 

Imploro ao céu que não olhe. Mas cada um dos seus astros é olho, impregnado de interesse e indiscrição, tentando mergulhar no mar nebuloso dos meus versos para encontrar portais para o Reino dos Sonhos.

 

À medida que me arde a carne carcomida pelos demónios mundanos a que chamam gente, eu percebo que o calor emana um aroma de violetas e flor de macieira. Faço amor com a simplicidade nua das cinzas. E o céu aplaude. Aplaude quando me anoitece o olhar. Quando ardo. Quando sorrio. Quando morro. Quando renasço.

 

De repente, por entre a cinza, novos olhos e novas cores. Olhos abertos de espanto na novidade do eu que se renova. E o céu olha novamente os meus olhos. Neles, encontra sobrevivência e engenho. Amor e morte. Medidas certas de incerteza.

 

 

Anoitece-me o olhar. O Caos, plantado a 1500 anos-luz de distância, é parto e berço das minhas estrelas. Verte-se dela a água da Vida que eu bebo. Há lágrimas rosadas e azuis nos olhos que me fixam. Espelho inconcreto destes meus olhos que choram com as suas nuvens de gás e poeira.

 






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