Marquei encontro comigo. Combinei que seria pelo cair da noite. Quando a luz da tarde começa a enrubescer, criando traços corados junto ao horizonte.
Havia de me deitar sobre o aconchego de mantas e de privar comigo por alguns momentos. Neles, reveria um pouco da história dos meus muitos passados, onde a falha se misturou sempre com a força de novas tentativas, ainda que a luta fosse contra os ventos que o destino predefinira e que nunca me eram favoráveis.
Marquei encontro comigo. Estipulei que, desta vez, ia ouvir mais do que ia falar. Ouviria. Ainda que nenhuma das palavras se verbalizasse. O silêncio dos lábios é favorável ao cantar do pensamento. Escutaria essa canção. Mais uma vez.
Marquei encontro comigo. Sabia muito bem que também os demónios nos acompanhariam e, por isso, convidei-os para que também fossem, com o aviso – talvez improfícuo – de que deveriam manter a compostura.
Era um rito entorpecido no ocaso. Um sopro suspirado e eterno. Para que pudesse ir. Para que pudesse dar voz a mim mesma. Para que pudesse dar a mão a mim mesma. Para que eu pudesse ser, ao menos por uma vez, tanto para mim quanto fui para os outros.
Marquei encontro comigo.
Mas – ironia - vieste. Distraíste-me. Esqueci-me de mim. Os ponteiros continuaram a dançar no som da vibração do teu riso e do meu. Valsas de giros e giros badalados, constantes.
O céu enrubesceu. O céu enegreceu. O céu clareou. E a minha voz entorpecida pela ânsia dos sabores da vida, esqueceu-se de cantar. E eu esqueci-me de que lhe devia os ouvidos e o tempo.
Marquei encontro comigo e não fui.
Só me apercebi depois, quando o riso virou distância. E a palavra virou silêncio. E a amargura era o mel que temperava os meus passos.
A ausência de mim pesou. A solidão instalou-se novamente na tua cadeira, que lhe é trono. E as vozes, silenciadas no meu peito, puniram-me pelas decisões inesperadas e tomadas de improviso. Veio a dor. Uma dor aguda como o silvar do vento nas janelas. Rasgou-me a garganta. Emudeceu-me. Mas eu também já não tinha nada para dizer…
No silêncio, comprometi-me novamente. Prometi. Se algum dia tornasse a marcar encontro comigo, havia de ir e de me deitar sobre as mantas, de ouvir mais do que falar, de entrar nesse rito expiado, feito de sopros e libertações. E aproveitaria o ocaso e a noite e a alvorada nessa companhia feita de mim, com os fantasmas e os demónios e a insanidade.
Talvez um dia venhas e me abraces. E, caindo nos enclaves de um corpo sem alma, talvez não me encontres em mim e estranhes.
As promessas são sagradas e eu já falhei demais.
Um dia, marco encontro comigo… e vou.
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