Olhei para ela.
Quando travei conhecimento com ela, ela tinha medo de tudo. Aos bocadinhos, enquanto crescia, num processo sublime e subliminar, ela libertou-se. Tem as costas mais direitas e já não fixa os olhos no chão, nas mãos, nas folhas… os horizontes alargaram-lhe a noção e o sorriso. Do seu semblante retiramos, por vezes, uma força maior do que a de um pelotão. Parece invencível. Acredita que o é. E, por acreditar, torna-se o que julga ser. Permanece erguida, seja qual for o vento, a ofensa ou a investida. Mas também não tem medo de cair porque sabe que, por maior que seja a queda, com mais ou menos cortes nos joelhos e na alma, acabará por se erguer de novo.
Olhei para ela. Ninguém diria que é a mesma!
Quando a conheci, ela precisava da aprovação dos outros. Tal era o temor de pôr um pé à frente do outro, que eram mais as vezes em que tropeçava do que aquelas em que caminhava fluidamente pelas ruas. Escondia-se em cada canto, afundando nos sofás das festas e encostando-se às paredes nas apresentações públicas. Desaparecia no cenário, sem beber do ambiente nem o momento, nem a vibração, nem a sonoplastia. Largando o silêncio, ela transformou-se no ambiente dos espaços. Vejo-a provocar riso com frequência. Há quem diga que é a alma das festas e o espírito dos eventos. Alguns dirão que faz figuras tristes. Mas ela está-se a cagar para a opinião dos outros. Compreende, finalmente, que essa noção de si é apenas isso mesmo: dos outros. Não diz nada sobre quem ela é ou virá a ser no futuro.
Olhei para ela. Quem é esta pessoa?!
Quando a descobri, ela era do tamanho da sua altura. Agora tem universos e constelações lá dentro. Muitas das suas galáxias giram em torno de uma estrela feita de amor. Mas ela já nem do amor é escrava como era, nesses tempos antigos, quando a conheci. Agora, é escrava da liberdade… e só! Do amor ela quer, agora, outras coisas. Companheirismo, verdade, partilha, momentos e um presente cheio de luz. Desapegando-se dos conceitos de um futuro que não sabe que tem, ela tornou-se rainha do hoje. E, hoje, ela tem numa mão o cetro dourado de sonhos só seus e, na outra, uma orbe sem cruz, representando um mundo sem fronteira de religião. Tem o tamanho dos sonhos que carrega. E eles são infinitos, tal como a Natureza que ama, honra e carrega no peito.
Olhei para ela. Foda-se! Que orgulho!
Quando a conheci ela esperava pacatamente, do destino, algum traço de benevolência e de bondade que lhe permitisse ser feliz. Cansou-se de esperar. Foi a benevolência e a bondade que esperara do destino, construindo a sua história com esforço, dedicação e trabalho. Construindo a sua própria felicidade. Escolhendo a sua própria felicidade. Já não espera por nada que chegue simples e gratuitamente. Tem demasiadas coisas para fazer e não quer (nem consegue!) aceitar o sedentarismo, a morosidade e a inação. É a autora da sua história e de muitas estórias. Desfia as cordas normativas do mundo, desafia os seus conceitos, rebenta com grilhetas e vai…
Olhei para ela.
Teci-lhe um elogio ou dois, que em nada a espantaram, mas que ela agradeceu à mesma, porque é esse o seu jeito!
Olhei para ela. E, depois, com um sorriso no rosto, saí da frente do espelho.
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