Sentou-se no carro. Acendeu os faróis. A noite tinha tonalidades amareladas, inundada pela luz doentia de uma cidade que apagara as estrelas.
Limpou o rosto com as costas da mão. Olhou para o traço negro do rímel que, certamente, teria espalhado pela face. Girou a chave na ignição.
Pelo seu rosto, insistentemente, caíam lágrimas anafadas. Um rio largo, onde as margens eram os fios de cabelo e a foz era o peito deserto.
Sentou-se no carro. Dentro de si, tudo soava a incapacidade de estar. Paredes e tetos de insensibilidade, agregados ao aroma pútrido de uma solidão que pesara mais e mais com o passar dos anos, e depois das semanas. E depois dos dias. E depois das horas. Passo a passo, até cada segundo ser excruciante. Passo a passo até não conseguir respirar mais, na sua própria companhia só.
A pouco e pouco, o papel de parede da sala tinha começado a zombar dela. Uma zombaria que fazia saltar formas concretas dos desenhos abstratos. Eram quase sempre animais selvagens, que a atacavam e lhe rasgavam a pele, deixando cicatrizes subcutâneas.
Tinha-se levantado de um ímpeto e saído sem trazer mais do que a chave do carro. Tentando fugir dos animais e das vozes e do frio das paredes, constantemente ecoando, ecoando, quando, ando, ando…
Estava permanentemente disfarçada de pessoa mas já não se sentia humana há muito tempo. Já não se sentia gente há muito tempo. Já não se sentia viva há muito tempo. E o motor rugia. E o motor que rugia era a única esperança de libertação, de fuga.
Havia o impasse.
Limpou novamente o rosto. E novamente o sujou de negro, sem se importar. No espelho central, o seu reflexo refletia a história da sucata interior, onde se amontoavam as peças de todos os sonhos que não tinha cumprido e de todos os que já não podia cumprir.
Algures, uma chuva miudinha começava a pontear o vidro empoeirado. Encostou a cabeça ao volante, com as mãos em guarda. Depois, recostou-se.
As estradas estavam vedadas. Mesmo que as estradas não estivessem vedadas, que destino poderia servir-lhe?
Desligou o motor.
Desligou as luzes.
Desligou o seu motor e as suas luzes.
Quando a encontraram tinha traços negros no rosto e gotas de chuva no cabelo. Sorria.
Para onde vamos quando queremos fugir de nós?
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