Era um cavaleiro negro, montado num cavalo de sombra. Não
tinha senhor nem lealdade. Não tinha honra. Não tinha fé. Não tinha um sonho
que lhe guiasse a jornada nem um lar que o acolhesse no regresso.
Seguia os ventos, perseguido por tempestades e temporais. Tinha
sede de vingança e paixão pela guerra. A lâmina suja de sangue ressequido e as
mãos calejadas vazias de tudo o que algum dia amara.
Era um cavaleiro das trevas. Movia-se por entre as estrelas.
Roubava povos e saqueava casas. Nunca levava mais do que precisava para viver.
Nunca deixava sinal de ter lá estado.
Por onde passava ficava a morte. A recolha calma das almas pútridas
dos seres que não tinham feito por merecer uma vida. Por onde passava ficava o
silêncio de cidades desertas e o chiar das portas velhas, que se abriam de par
em par.
Com o tempo, o cavaleiro deixou de ter nome. Mais tarde,
deixou de ter rosto. Um dia, deixou de ter forma. E já não era corpóreo quando
passou por mim e adentrou a minha alma, lutando contra as certezas e
esquartejando as esperanças. Já não era mais do que um fantasma feito de negro
quando me roubou a vida, deixando apenas as respirações mentidas e o meu
coração a bater.
Não tinha senhor nem lealdade. Nem um lar. Nem um destino.
Creio que foi por isso que se alojou em minha casa. Creio que foi por isso que
passou a alimentar-se das minhas incertezas. Creio que foi por isso que
escolheu torturar-me.
Prendeu-me com as correntes mais firmes. Não as de aço ou de
metal. As de sentimento. Arrastou-me pelo chão mais crespo. Um chão feito de
espinhos e de impossíveis. Esquartejou-me com palavras e silêncios. Ganhou-me
aos poucos. Troféu inegável da sua vitória sobre o mundo.
Era um cavaleiro negro montado num cavalo de sombra, esse medo que chegou à minha vida e me tomou por sua. E, mesmo sem partir, deixou-me
o coração deserto de esperança e os olhos cheios de lágrimas. Deixou-me a alma
escancarada e suja.
Hoje, também eu não
tenho senhor ou lealdade. Também eu não tenho fé. Também eu perdi os sonhos.
Hoje não passo de uma cidade saqueada. Mais um ser que perdeu a vida sem ter
vivido. Mais uma porta aberta que não leva a lado nenhum. O medo destruiu-me. O
medo salvou-me. O medo ficou. E, subitamente, o cavaleiro negro teve um lar.
Dentro da minha alma massacrada. Dentro do meu peito vazio. Dentro da
eternidade humana que acaba no bater final de um coração desfeito.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
Muito obrigado por partilhar, o blog esta muito interessante principalmente o que escreves com a delicadesa e sensibibidade como o trasmites.
ResponderEliminarO início do texto dá conta de um homem "fraco", ou melhor, mais fraco do que nos contos de fada! E os homens também não são ininteligíveis! Parabéns pelo texto!
ResponderEliminarTem aqui um bom blog. Tornei-me seu seguidor. Gostava que também se tornassse seguidor do www.ocientistaportugues.blogspot.com
ResponderEliminarGostei muito do texto; é muito profundo e mexe nos sentimentos das pessoas! Não pares de escrever!
ResponderEliminarMarina adoro seus poemas, um mais lindo q o outr,o me tornei um grande fã e adimirador seu. Se vc puder me adicionar no facebook ficarei honrado bjs
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