Para o meu avô
A noite caía
e, sentada sobre a cama, a menina chamava. Tinha os caracóis revoltos caídos
pelo rosto e o jeito certo de quem julga saber tudo sobre o mundo e a vida. A
certeza errada de que teria cinco ou seis anos para sempre e de que jamais
deixaria de poder chamar por alguém, durante a noite, fosse por que motivo
fosse.
A noite caía
e a luz desligava-se sempre dois segundos antes da menina gritar, a plenos
pulmões. “Trazes-me um copo de água?” E ouviam-se os passos, no corredor,
sempre certos e convictos, carregando muito mais amor do que água dentro do
copo. E, com o copo de amor, vinha um sorriso de verdade e um beijo de boa
noite.
Então, em
matando a sede de água e de carinho, a menina deixava a cabeça cair na almofada
e dormia. O amanhã era a promessa de todas as coisas. A promessa de muitos
copos com água, trazidos em bandejas de sorriso.
Houve muitos
dias e muitas noites feitos em pedidos e em copos de água. E muito mais
sorrisos entregues com a simpatia de um semicerrar de olhos. Mas as noites sucedem-se
e as meninas crescem, para aprenderem que, um dia, não poderão gritar para
pedir um copo de água antes de dormir.
Eu sei que
já não sou essa menina. Sei-o bem. Mas, mesmo assim, quando a noite cai, ainda
me sento na cama e fecho os olhos, para acordar a memória desse tempo em que
podia gritar por alguém. Fecho os olhos para orar por um futuro no qual a minha
alma seja livre de encontrar a alma de quem partiu. Fecho os olhos para ver, na
escuridão do pensamento, o rosto que sorria ao entregar-me um copo de água e
muitas medidas de amor incondicional.
“Trazes-me
um copo de água?”. A pergunta fica no ar. Sem resposta. Sem passos no corredor.
Sem um beijo de boa noite. Mas estás aqui. Mesmo sem me trazeres um copo com
água. Mesmo sem entrares pela porta com um sorriso. Estás aqui porque, todas as
noites, eu finjo, para mim mesma, que sou criança outra vez. E, na minha
imaginação, entras pela porta do meu pensamento e preenches a saudade com mais
um copo de amor. E é esse copo inventado que me adormece na ilusão de que nem a
morte te pôde roubar de mim.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
Está muito enternecedor e comovente... cheguei a sentir um apertozinho no coração... e, como sempre, a imagem que escolheste para acompanhar o texto é linda! ^^
ResponderEliminarLindoooooooooooooooooooo! Amei
ResponderEliminarMaravilhoso texto, fiquei fascinado pelo achado "acordar a memória"
ResponderEliminarLembrei da minha maezinha,que deus a tenha.muito lindo.
ResponderEliminarachei tao comovente que as lagrimas corem em meu rosto
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