Não gosto muito de Matemática. Nunca gostei de Matemática. Mas gosto ainda menos da Matemática do Tempo. O exercício dos regimes ditatoriais sobre os ponteiros do relógio irrita-me. Esse, que garante que em cada hora cabem sempre exatamente sessenta minutos. E que em cada minuto cabem sempre sessenta segundos. E que em cada dia cabem sempre vinte e quatro horas. Desculpem. Acho que sou negacionista... mas o tempo não tem métrica certa. Como a poesia contemporânea... ou pelo menos a minha...
Desconexão. Um luxo moderno. Raro. Desligar o telemóvel. Ou não olhar para ele. Não querer saber das redes sociais. Parar com aquele toque irrealista entre stories, que passa por elas em contínuo e sem ver metade. Esquecer o relógio. E o trabalho.
Uma corrida muito lenta, de passadas-caracol, pela dinâmica da vida. Inalar o ar pelo nariz. Exalar pela boca. Deixar que se solte da garganta o grito que acumula aos poucos. Esquecer que existe grito, por esquecer que existe mundo. Ter, da memória, somente a memória. Desligada do peso que já teve e que já não tem e que não pode voltar a ter... porque o hoje não tem – ou é o que dizem – tempo para trazer o ontem dentro de si.
E conexão. Um luxo moderno. Raro. Que pode dar-se quando o telemóvel está desligado. Ou não olhamos para ele. Quando não queremos saber das redes sociais nem temos espasmos no polegar, que passa stories em contínuo, sem ver metade. Quando esquecemos o relógio. E o trabalho.
Um estar que é só estar. Trocas de pensamentos gratuitos. Despreocupados e sem pressa. Uma respiração lenta, entrecortada de histórias e risos que não se passam à frente com um toque. Memórias na ponta da língua, que se esbatem no tema seguinte e vêm leves. E planos. Para outro dia. Para outra altura. Para o futuro. Esse futuro igualmente leve... porque o hoje não tem – ou é o que dizem – tempo para trazer o amanhã dentro de si.
Tempo. O luxo do tempo. Quando as horas passam num segundo e não damos por elas. Quando a alma encontra o espaço exato para se encaixar com o agora, para estar no agora... mesmo se o passado e o futuro ondeiam nas conversas, preenchendo-as levemente... suavemente.
É tão incrivelmente raro, que parece estranho. Parar. Esquecer a corrida contra o tempo, que – dizem os puristas dessa Matemática do Tempo – só tem vinte e quatro horas por dia.
Não gosto muito de Matemática. Nunca gostei de Matemática. Mas gosto ainda menos da Matemática do Tempo. Porque, às vezes... só às vezes... o tempo não é linear. E as horas parecem segundos... e, quando damos por nós, é outro dia... e temos quase a certeza de que o dia anterior ainda não era para ter terminado... que teve horas a menos.
Não gosto da Matemática do Tempo. Não porque me perca nela, como me perco a contar os trocos. Nem porque me sinta confusa, como quando é preciso dividir por dois dígitos. Nem porque me esqueça dela, como da tabuada que a minha avó tanto tentou fixar entre os meus neurónios... que claramente eram de Letras e Humanísticas. Não gosto da Matemática do Tempo porque nos diz que cada dia tem só vinte e quatro horas e que só cabem sessenta segundos num minuto e sessenta minutos numa hora.
O tempo não é linear. Ainda me lembro de que nas aulas de Matemática, os noventa minutos demoravam três horas a passar. E, naqueles momentos em que nos podemos dar a esse luxo, ainda consigo esquecer-me das horas... e reparar que passaram horas e horas, quando julguei que tinham sido apenas alguns minutos...
Se o século XV foi o século das conquistas e o século XX o da revolução digital, o século XXI é o século da falta de tempo. É a história mais comum dos nossos dias: não ter tempo para nada... e ver tudo como uma perda de tempo. Porque cada dia tem só vinte e quatro horas e só cabem sessenta segundos num minuto e sessenta minutos numa hora... e nunca é suficiente.
Não gosto da Matemática do Tempo. Na verdade, não gosto de Matemática. Do tempo devo gostar... porque nunca quero perdê-lo...
Mas sabem que mais? Ter horas inteiras que nos parecem minutos é o verdadeiro luxo da modernidade. E, com isso, aprendi uma Lei do Tempo que a Matemática não pode ensinar: o único momento em que não perdemos tempo é quando nos perdemos no tempo...
Moção de censura para a matemática do tempo!
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