terça-feira, 2 de julho de 2013

O sonho



O sonho levou a mala para a porta. Abriu-a com confiança. Enfiou-se dentro dela e fechou-a. Mas não se limitou a fechá-la. Fechou-a de uma forma tão abrupta que emperrou a fechadura. Não queria que o tirassem dali. Estava onde queria estar.

Já só, na escuridão de uma mala de viagem, gritou-me a plenos pulmões. Um grito que ecoou pela casa e que trespassou as paredes, se estendeu pelos vales, pelas florestas, pelas praias.

Segui-lhe a voz. Segui-lhe a voz para me deparar com a porta e a mala fechada à porta e o sonho arrumado na mala. Os olhos encheram-se de lágrimas. A vida encheu-se de desgostos. A minha alma encheu-se de perguntas que não fiz. Tomei-lhe a mudança por desistência. E a esperança morreu suavemente dentro de mim, aos poucos, levemente, enquanto o sonho se agarrava aos cantos poeirentos  da bagagem e se fundia neles.

"Não fiz mais do que lutar por ti!", atirei-lhe, em desespero. "Nesta vida, fiz das tuas as minhas vontades. Caminhei tendo-te como caminho e meta. E é assim que me abandonas."

O sonho riu. Riu, como se a minha dor não o ferisse mas, ao invés disso, lhe desse um gozo desmesurado, lhe trouxesse uma felicidade irónica e irreal.

"Todos os dias...", ouvi-me continuar, em palavras que não sabia que queria dizer. Mas as palavras fluíam, atiradas ao ar, caindo sobre a pequena mala. "Todos os dias acordei e disse ao mundo: eu não tenho nada além do sonho. E agora? Agora vais embora? Vais assim, arrumado na escuridão, deixando-me para trás? Se não te tenho o que direi agora ao mundo? Somente que não tenho nada?"
O riso tornou a ecoar, mais cru, mais perverso. Um riso que se misturava nas minhas lágrimas e criava um ambiente agridoce de amor e ódio.

"Não vás!", implorei por fim. Depois da acusação o medo. O medo de ficar só por entre uma vida sem sonhos. "Ainda estamos a tempo, tu e eu. Eu luto por ti, tu aguentas-me em pé quando o chão quebra. Não vás! Não vás ainda. És tanto quanto tenho, nesta vida de pesadelos e desilusões."

Dessa vez, o sonho não riu. Fechado na pequena mala, ergueu o sobrolho e, sem que eu o visse, sem que eu o soubesse, suspirou.

"Foste tu que sempre disseste que me querias!", não era uma acusação. Ainda assim, movi-me com desconforto, como se as palavras queimassem. "E, no entanto, aqui estamos. Estás a lutar por mim, com lágrimas nos olhos."

Assenti, enquanto buscava no ar pesado do meu mundo de pesadelos a força para responder. "Não vás!", repeti. O sonho não fez caso das minhas palavras.

"Vou! Tenho de ir. Lutaste por mim a vida inteira, passando ao lado do que era mais importante. Já não quero ser a tua meta.", a resposta, sincera e crua, abalou-me os alicerces de uma vida mas, falando do interior da mala, o sonho continuou. "Não serei mais a tua meta mas tão só o companheiro de viagem. Agora, agarra em mim e vai atrás da felicidade".


Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

8 comentários:

  1. Parabéns Marina, conseguiu prender-me!!

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  2. Jennyfer Aguillar12:42

    Era o texto que eu procurava,ando nesses dias meio dispersa ao mundo,com sonhos e mais sonhos e isso me fez de certa forma acordar para a realidade,agora eu realmente vou atrás da minha felicidade e sem deixar de lado os sonhos.
    Parabéns querida,cada vez fico mais feliz em poder ler aquilo que escreves.
    Beijinhos Jenny ♥

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  3. Tanta vitória num texto que podia ser deste tamanho que leio ou do tamanho de mil bibliotecas. Tenho tanto orgulho em ti Fadinha*

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  4. Tânia11:26

    Gostei muito <3

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  5. Por Dios...

    Texto hermoso querida. Ame.

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  6. Por Dios...

    Bello texto querida.

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  7. Glória Almeida07:15

    Fiquei emocionada...
    Obrigada por mais este texto

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  8. Gostei muito... Parabéns!

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