terça-feira, 16 de agosto de 2016

Deixa arder



Deixa arder. Como ardem as florestas. É triste. Mas deixa arder. E põe as culpas na vida. Ou nas outras pessoas.
Deixa arder. O sonho. A vida. A alma. Depois diz que tens pena. Porque a alma não se fez. Porque a vida não te quis. Porque o sonho não foi vida. Deixa arder. Uma oportunidade atrás da outra. A primeira porque não tens tempo. A segunda porque não tens capacidade. A terceira porque não tens vontade. E chora, depois. Agarrada à culpa alheia. Diz que te tramaram o sonho.
À medida que avanças na estradinha de ladrilho cinzento, vai dizendo que os passos são ditados por quem fez o caminho. E que, se é cinzento o ladrilho, eles te regem que os cinzentos passos avancem rumo ao cinzento de um futuro sem esperança. Não faças nada para mudares os caminhos, e as cores, e os destinos.
Arruma os arquivos, um a um. Põe-os na estante, catalogados. O sonho que nunca cumpri. A vida que nunca tive. O lugar onde nunca fui. O amor que nunca senti. Catalogados assim, a cinzento, na estante do tanto que não foste. E, se te perturbar a presença das folhas enumeradas na estante ao lado da qual perdes a poesia dos dias, aquece lume. Queima a sanidade. Amarrota o que podia ter sido e atira à chama. Deixa arder.
No centro do fumo – também ele cinzento – aceita a vida cinzenta que te destinaram. Não será difícil aceitar a proximidade quieta do tempo, se o fumo não te deixar ver que, além, existem montanhas e vales e lagos e mares de possibilidade por explorar. Cega no centro do fumo, à medida que deixas que ele te entre nas veias e te programe para pensar que é melhor assim.
Acorda um dia. Feliz. Não feliz-feliz. Mas feliz como se diz ser a felicidade nas ruas de ladrilho cinzento. E faz os teus passos – cinzentos e programados. Vai. Começa essa rotina de círculo infindável e desgastado.
Deixa arder. O sonho. A vida. A alma. Como ardem as florestas. É tristemente indolor. Quando deres conta, ardeu.


Marina Ferraz


*Imagem retirada da Internet




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