terça-feira, 24 de maio de 2022

Sala sem subterfúgio

 


Fotografia de Rui Barroso

Foda-se!

 

Seria capaz de me sentar contigo. Sem televisão. Sem música. Sem telemóvel. Só tu e eu. Sem livros. Sem paisagens bonitas... sem janelas, sequer! Sem pessoas na mesa ao lado, a comentar a atualidade da vida e do mundo. Só tu e eu. Numa sala sem subterfúgio.

 

Olharia dentro dos teus olhos. Longamente. E deixaria que olhasses dentro dos meus. Dos olhos. Da alma. Dos espelhos da alma, que invertem e mancham as perfeições todas do imaginário. Olharíamos só. Demoradamente. Para sempre. Nunca me cansei dos teus olhos. Nunca me cansaria dos teus olhos. Nunca me cansei das tuas conversas e nunca cansaria... E muito menos do teu riso. Esse, que acentua as ruguinhas breves que te emolduram os olhos. Aí, nessas portadas de céu e infinito do teu olhar...

 

Penso. Numa sala sem subterfúgio. E soa perfeito. Se fores tu e eu. Só tu e eu.

 

 

 

As pessoas sabem pouco sobre o amor. Desde que o amor passou a englobar todas as palavras. As pessoas sabem pouco sobre o amor.

 

É natural! Quando o amor se faz com swipe right. Os jeitinhos sentimentais são extrapolados. O sentido de posse determina os sentimentos. A presença é pimenta nos sentidos, que se esquecem – sem sabor – na distância. É natural que saibam pouco... que não saibam nada sobre o amor! Quando o amor se faz... – que expressão tão estúpida “fazer amor”! Se o amor se fizesse, também se desfazia. E depois?! Não era amor... não é amor...

 

Perdoem-me. Não acredito no amor da maioria. Nem na maioria dos humanos que fala de amor. Nem que exista algo de humano na maioria das pessoas que conspurca a palavra. Sinto bafio agarrado ao amor de muitos. E ignorância. E sinto-os – entendam – pelo abuso do “ter”, do “querer”, do “eterno”, do “estar”, da “fidelidade”. Como se amar tivesse algo de posse, de egoísmo, de comparência ou de castidade-patriarcalmente-instituída...

 

O amor em que eu acredito é aquele no qual as pessoas podem sentar-se. Sem mais nada. Numa sala sem subterfúgio. Olhar nos olhos do outro, sem estranheza. Não sentir falta de mais nada. Não precisar de pousar olhos em elementos externos, nem de deixar a mente vagar por pensamentos distantes. Estar.

 

O amor em que eu acredito é aquele no qual uma pessoa pode sentar-se sozinha. Sem mais nada. Numa sala sem subterfúgio. Sem que o outro esteja, se ele não quiser estar... Sentindo-lhe a falta. Mas sabendo largar, libertar. Desejar-lhe a felicidade e estar em paz.

 

 

Foda-se.

 

Seria capaz de me sentar contigo. Sem televisão. Sem música. Sem telemóvel. Sem livros. Sem paisagens bonitas... sem janelas, sequer! Só tu e eu. Numa sala sem subterfúgio. Mas, meu amor. Também sou capaz. De me sentar sozinha nela, para não atrapalhar o curso dos teus dias.

 

Ficarei. Imaginando, sem ver, o teu sorriso, que acentua as ruguinhas breves que te emolduram os olhos. E, de imaginar-te assim. A sorrir. Essa sala sem subterfúgio soa perfeita. Porque posso ser só eu. Eu nessa sala. Se tu fores feliz.


 Marina Ferraz





Fiquem atentos ao meu Instagram para saberem todas as novidades em primeira mão!

2 comentários:

  1. Anónimo09:04

    Precisamente perfeito!

    ResponderEliminar
  2. É precisamente por tudo isso que disse aquele poema "A INVENÇÃO DO AMOR" e o dediquei a uma certa pessoa. Fica bem.

    ResponderEliminar