terça-feira, 16 de outubro de 2012

Gaivota



Voa, gaivota, ao redor da minha ferida. O meu veleiro naufragou. As ondas engoliram a esperança alada do horizonte. Olhando, há apenas nevoeiro. Mas voa, gaivota.
Voa sobre o penedo da solidão escarpada. Sobre a areia do meu choro amargo. Sobre a solidão de mais um amanhã vazio.
Voa sobre o meu corpo de terra despida. Sobre as nuvens do meu olhar, onde há dilúvios sem fim à vista.
Voa, gaivota. Circunda no teu voo a ausência de mim. A ausência que é ser corpo sem alma a vaguear por desertos de vento. Voa dentro do meu peito, planando no sopro frio de uma morte que tarda. Mas voa, gaivota.
Voa, gaivota, junto às palavras que se sucedem e às ilusões que ficam intactas em mim. Voa na incerteza dos meus passos. Voa sobre a decadência da minha vontade, sobre a incoerência do meu pensamento.
Voa, gaivota. Sobrevoa o mundo. Este mundo que me destruiu até eu não ser mais do que um fantasma de mim. Este mundo que me atirou ao chão e me obrigou a cair tão fundo de costas direitas e rosto erguido. Voa sobre os vales e as praias. Sobre as casas imundas e as pessoas vazias e cinzentas. Voa.
Voa gaivota. Pescadores vão dizer que és presságio de chuva. Meninas apaixonadas vão sorrir ao ver-te em voo raso no caminho para casa. Milhares de pessoas vão passar indiferentes à tua dança eterna.
Mas voa, gaivota. Voa. Voa alto. Voa bem. Voa dentro deste peito quebrado. E, quando vier a tempestade e eu chorar, deixa as asas repousarem de mansinho no centro deste coração despenhado que, entre o desespero da vida e a ânsia da morte, tem apenas como certo o destino. Um destino de pedra e prata que lhe diz que, ao contrário de ti, ele nunca mais vai voar.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

3 comentários:

  1. Tânia17:35

    Deslumbrante... o teu melhor texto dos últimos tempos e o que mais demonstra o teu crescimento como escritora. Lindo, arrebatado e doloroso. Parabéns! =D

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  2. Lindo mesmo!!!! *--*..obrigada Marina Ferraz por nos presentear toda semana com belos textos!!!!

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  3. Marina, a gaivota voa sempre. É possível entregar-lhe uma parte da dor que leva a nossa alma. Alivia um pouco esse peso que nos ofereceu com tanta sensibilidade.

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