terça-feira, 14 de agosto de 2018

A caixa




Têm tentado. Continuamente. Desde sempre. Rotular-me e pôr-me numa caixa. Limitada pelas suas paredes. Feitas de preconceito. Feitas de noções redutoras. Feitas das linhas do ar. E de betão.

Têm tentado. Justificar-me com ideias e frases feitas. Explicar-me com conceitos e limites. Como se um traço de mim aniquilasse o outro. Ou me definisse concretamente. Ou fizesse de mim uma coisa só.

Têm tentado. E têm descoberto que eu sou um ser sem filtro, com traços de luz e sombra. Com traços de riso. Com traços de depressão. E de alheamento. E de apreciação do mundo. Têm descoberto que eu sou beleza e feiura. Preguiça e tarefa e desporto. Escrita e silêncio e palavra dita. Têm descoberto que, sempre que me colocam numa caixa, eu intempestivamente a derrubo e salto para outra… e outra… e outra a seguir.

Irritam-se com os traços de mim. Que se colocam no espaço da menina e os seus livros, por um segundo. Para saltar para o espaço da futilidade e das roupas, por outro segundo. Para adentrar os universos da política e as discussões acesas do feminismo e da equidade, por mais um segundo. E para tocar nos nervosinhos que compõem a alma de cada um, por um segundo de eternidade que lhes baralha as ideias e os deixa sem saberem bem onde podem colocar-me.

Peço que não me coloquem numa caixa. Faço-o insistindo que não é esse o meu lugar. Mas insistem. Insistem em tentar fazer de mim objeto redutível à descomplexificação do eu. E a reduzir-me a uma das minhas partes. Porque será mais simples ver-me como um fragmento de mim. Ou simplesmente porque existem traços de inconsequência na divisão de parcelada de mim em milhares de fragmentos de poeira, que sejam catalogáveis e passíveis de colocar nas caixinhas mentais dos outros.

Não me coloquem numa caixa. Mesmo que cause estranheza que, pela manhã, eu seja atleta; pela tarde, artista; pelo crepúsculo, contestatária; e pela noite, bailarina de fogueiras nuas. Não me coloquem numa caixa. Tenho demasiada liberdade em mim para encaixar nos espaços determinados pelas mãos dos outros.

Podem colocar-me numa caixa. Quando eu morrer. Só quando eu morrer. Antes não. Ou, se puserem, vão ver que as caixas não me seguram. Que salto de uma para a outra. E que me completo com um pé em cada uma. Com uma mão em cada uma. Com um olhar estendido sobre tantas quantas o olhar me abarca.

Sim. Podem colocar-me numa caixa. Quando eu morrer. Só quando eu morrer. Aí podem. Prometo ficar dentro dela, se nela me depositarem. Mas, mesmo aí, devo confessar. Preferia ir livre na respiração do vento. E ficar um pouquinho em toda a parte. Com os rios. E com as flores. E com as árvores. Para lhes contar que faço parte da terra. E que o meu mundo se fez fora da caixa. Para voar. Outra vez. Livre.




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