quarta-feira, 13 de março de 2019

A galope




Montas o teu próprio cavalo e salvas-te a ti mesma. Vês o pôr-do-sol com as mãos dadas às rédeas do destino que te cabe escrever. Tens medo de muitas coisas. Mas não deixas que nenhuma te trave. Essa é a coragem que te leva. A galope. Pelas areias do mundo. Lado a lado com as ondas.

Chamam-te princesa. Chamavam-te princesa. Mas as vozes emudeceram. E o sol poente pintou-te o traço guerreiro do caos. A tua feminilidade ecoa na lâmina. Porque recusas ser homem e abominas a humanidade. Na chama intemporal das velas ou na folha de papel continuas a plantar ciclos de lua e sangue. Vertes circularmente o ano na pele. E, por veres tanto, entendes até a simplicidade.

À medida que os teus cabelos longos se começaram a confundir com as lápides do teu passado, as pessoas aprenderam a palavra “desapego”. Disseram – ou pensaram alto – que não sabias amar. E sobre as areias do mundo. Lado a lado com as ondas. Amaste. As areias e as ondas. O cavalo e o sol poente. A essência que te fez salvares-te a ti mesma e dares as mãos às rédeas de um destino com a tua caligrafia.

A galope. Eternidades escritas a granel. Pesos e medidas que se costuraram nas selas onde te sentas, feito trono. O preciosismo das linhas no couro amarelecido pelo tempo. Ergues o rosto. E o mundo toma por impertinência o teu rosto erguido. Que só a mulher impura ergue o rosto de uma forma tão certa. Ergues o rosto e estás nua. Mas sentes o vento e ele veste-te com o ouro acetinado da memória da alma. Deve ser hora de partir.

Salvas-te a ti mesma. Das marés vazias. Que precedem enchentes. Que precedem a preia-mar. As ondas têm espuma e tu tens mãos. Que segurem as rédeas do destino impaciente. Só um pouco. Pedes. Mandas. És senhora até dos elementos da Terra. Ligada a ela por raízes e asas.

O teu para sempre constrói-se nos espaços entre os dedos. Membranas interdigitais de sonho. Sem espaço para anilhas. Mas com vidas novas e eternidades além de si. Fundes-te contigo mesma e és toda feita de paixão. Sentes prazer nas impressões digitais. És o fruto e a seiva da paixão mais intemporal.

Montas o teu próprio cavalo e salvas-te a ti mesma. Vês o pôr-do-sol com as mãos dadas às rédeas do destino que te cabe escrever. Assustas os outros porque a espera não te convém e o cavaleiro alado não te interessa.

Acreditas no amor. E ele assusta-te. Como te assusta a manhã, em cada acordar. E a noite que vem depois do sol posto. E as marés vazias que sugam para o horizonte as ferraduras e as possibilidades. Sim. Tens medo de muitas coisas. Mas não deixas que nenhuma te trave. Essa é a coragem que te leva. A galope. Por aí.

As areias do mundo são estrada. As ondas, banda sonora. És una com a unicidade de ti. E os teus medos são nada. Vais. A galope. O sonho é rutura e recomeço. Todas as noites tens medo de fechar os olhos. Todas as madrugas tens medo de os abrir. É uma coragem inusitada para cada segundo do dia.

Curas a alma com o sal do ar padecente em bruma. És contraluz. Pintam-te de negro as formas sadias de mulher. Assusta que vás. A galope. Cheia de medos. Mas sem ceder. Essa é uma coragem que os heróis dos contos ainda não conhecem.

A galope. Salvas-te a ti mesma. Todos os dias. Tens pressa de chegar a ti. Para te amares. Para sempre. Outra vez.





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2 comentários:

  1. Texto brilhante, adorei, parabéns

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  2. Lindo post. Parabéns.

    Arthur Claro
    http://www.arthur-claro.blogspot.com

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