terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Promoção da Semana

 

 Fotografia de Michael Gaida


Eu já fui uma dessas pessoas. Dessas que acompanham folhetos e promoções. Que visitam sites de antevisão. Que elaboram listas de dois quilómetros, catalogadas por hipermercado e secção, definindo a rota dentro e entre estabelecimentos, de forma a garantir a eficácia e a economia máxima.

 

A poupança acontece.

 

À medida que os super e hipermercados, com os seus preços inflacionados somam os lucros de milhões, nós congratulamo-nos pelos vinte ou trinta euros que poupámos. Ou que teríamos poupado – eventualmente – se não os tivéssemos gasto no combustível enquanto dirigíamos de um centro comercial para o próximo.

 

A poupança acontece.

 

Por acontecer, eu já fui uma dessas pessoas que faz do linear uma trincheira e que desenha círculos em torno das imagens promocionais mais apelativas. Eu já fui uma dessas pessoas que sabe em que dia começa a promoção, em que dia termina e qual o melhor dia para ir às compras considerando os folhetos, os cupões, os talões, as mensagens, os emails e a ofertas especiais de aniversário da marca, do meu aniversário, do Natal, do Ano Novo, do Dia da Mãe, do Pai, do Primo, do Vizinho e do Estranho Que Podemos Vir a Conhecer Daqui a Uma Década.

 

Já fui uma dessas pessoas que conhece as datas das sextas-feiras mais negras e das segundas-feiras mais digitais e dos finais de semana mais cor-de-rosa.

 

A poupança acontece.

 

Carrinhos cheios de produtos carregam-se em sacos. Riscam-se, aqui e ali, produtos listados. Discute-se sobre se devemos levar o produto com o melhor preço, o produto com a melhor relação de qualidade-preço, o produto com a melhor relação de quantidade-preço ou o produto com a melhor relação de vida saudável-preço.

 

De repente, tudo é um mar de dúvidas que se estendem até à caixa para o feliz momento da poupança, que afinal não é tão feliz, quando nos apercebemos de que o gasto é efetivo e a necessidade pela maioria dos produtos que fazem “bip” nas mãos da fatigada operadora de caixa são desnecessários.

 

Olha-se o talão, à espera de ver validado o sentimento. Esse. O da economia. Recebe-se dele, com maior agrado, o valor que deveríamos ter pago e onde a soma comprova que tudo valeu a pena. E, vejam bem! Saíram novos talões para que voltemos a poupar depois. Vejam bem! Ainda por cima, também podemos poupar no combustível mais caro das gasolineiras mais caras, uns quantos cêntimos por litro!

 

O esforço empregue parece valer a pena. Cria-se um ciclo vicioso, que se estende, que se repete. Lista atrás de lista, sempre de olhos postos na ideia do gasto que não se quer ter. Sempre dizendo o mesmo:

 

A poupança acontece.

 

Sim. A poupança acontece. Mas é cara. O preço dela nunca baixa e não existe promoção que lhe valha. Custa tempo. Custa paz de espírito. Custa, em alguns casos, a vida.

 

Custa. A. Vida.

 

Deixei de estar disposta a pagar a vida pela poupança. Deixei-me de folhetos. Deixei-me de listas. Deixei-me de análises caóticas.

 

Quando largamos, é fácil compreender que não vale a pena. A nossa paz é um preço alto demais e nem a soma de todas as promoções anuais me paga os anos de vida perdidos no processo.

 

No folheto dos meus dias, a única promoção da semana que me interessa agora é ser feliz. A luta por essa felicidade implica não ser essa pessoa que fui. E, é certo: não fazer essa gestão de economias não é uma rotina que me poupe gastos, mas poupa-me o desgaste.

 

O preço da poupança é demasiado alto e não o quero pagar.

 

E sim, eu sei, há qualquer coisa em promoção algures que me faria poupar imenso. Sim, sim… eu conheço a história.

 

Mas, olhem, sabem que mais?! Não me digam. Poupem-me! Estou ocupada com a promoção do meu bem-estar.


Marina Ferraz



Sigam também o meu instagram, aqui

1 comentário: