terça-feira, 23 de março de 2021

Turfa

 


Terra e turfa. Crescemos assim. Entre a seiva do que a vida é e a decomposição lenta do que a vida foi. Entre o substrato efetivo do que é a essência humana e a sua corrupção. Entre a base e a essência do que é bom e puro, e a putrefação dos espíritos.

 

As pessoas deterioram-se e alimentam a mágoa. Com ela, os boatos, a extorsão, a perversidade. Almas degeneram nesta turfa social. Gente podre, com ideias putrefactas, absorvendo para si os nutrientes da terra, drenando a Terra, com ideias a decompor-se em amargura e conflito. Poderiam ser somente fragmentos nebulosos de nada. Mas não são. À medida que se decompõem na pior versão de si mesmas, as sociedades transformam-se, a pouco e pouco, na sobra triste do que a essência do humano pode ser.

 

Deus não devia estar muito feliz com o seu jardim. Abandonando-o, deixou crescer as silvas e as ervas daninhas, juntamente com a morte e os destinos piores do que a morte. As flores que sobram sentem-se sós. O abandono pesa-lhes. Choram. As lágrimas que vertem criam ambientes pantanosos e húmidos onde a turfa cresce e adensa, no deteriorar de troncos e raízes e ventres carnudos de seres mais ou menos indignos.

 

Olho com pesar para uma sociedade decadente nas ideias e nos jeitos. Questiono se o amor morreu com esse deus ou se, vivo noutra dimensão, ele o tomou a si, para servir nos banquetes divinos onde o humano jamais se sentará.

 

E os humanos. Essa turfa social que se amontoa em cidades, desperdiçando recursos da Terra e ignorando o mundo alheio. Enriquecendo ambiciosamente onde gente morre de pobreza. Comendo em demasia vendo na televisão os que morrem de fome. Tomando longos banhos de água potável com crianças a morrer de sede… Essa turfa social…

 

Perguntaram-me. Um dia. Não serve para nada? Serve! Rica em nutrientes, mesmo que pútridos, essa realidade triste alimenta e aduba os meus poemas. Nutre-os de uma sabedoria que eu dispensaria ter.

 

Algures, alguém me lê e diz. São bonitos. Os teus poemas. Leio-os. Guerra. Desapego. Desamor. Desesperança. Morte. Traição. Mentira. Abandono. Despojos. Direitos perdidos. Fascismos. Desencontros. Desilusões. Perdas. Violência. Lágrima. São bonitos. Os teus poemas. E eu leio-os novamente, à procura de algo que não seja triste. De algo que não seja mágoa. De algo que não seja estorvo. E ecoam as palavras. São bonitos. Os teus poemas.

 

Tento estender as minhas raízes. Levá-las ao centro da Terra. Ser una com as ideias e valores que tomo por certos. Agradeço. Com sinceridade. A simpatia das palavras. São bonitos. Os teus poemas. Mas a minha alma chora. Sabe. Mais bonito seria que não fosse preciso escrevê-los.


Marina Ferraz






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1 comentário:

  1. Olá Marina, sempre que leio as palavras que escreves, sinto que vives uma revolta intensa, mas posso te dizer que a turfa será a tua aliada, pois dar-te-á as raízes que necessitas na tua luta, contra o que quer que seja. Bjinho

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