Não explode. Não rebenta. Solidifica. Com o tempo vem ao topo. Com o tempo erode. E tudo é caos. Mais valia, penso, que tivesse explodido, rebentado, incendiado. Mas não! Solidificou. Dentro. Veio à flor da pele dessa terra que somos. E, ali, erode. Criando formas rígidas e arredondadas. Quem olha, não faz ideia...
Ninguém sabe o que vem de dentro e como chega à pele. O modo como os gestos, as palavras, as ações do mundo se imprimem, criando tensões e medos e agruras. A violência não é inata. A rigidez também não. Criam-se na profundidade do planeta que somos. Debaixo das muitas camadas que nos compõe e que nos cobrem o centro líquido e quente, que é alma e mente e emoções que ninguém explica.
O magma é o sangue nas veias. E, por vezes, quando a vida magoa por ação alheia, a erupção acontece. Vem, explosiva. Escorre e queima. Devia ser sempre assim! Devia ser sempre esse cuspir de piroclastos na forma de palavras. Devia ser sempre esse jorrar de ideias que diz: isso magoou-me e não é justo. Mas não é. Calamos. E, quando calamos, lançando o gelo para dentro, tentando agir friamente, racionalmente, o magma do não-dito solidifica ali mesmo. No coração. Na garganta. Vira tumor.
Orgulhamo-nos do domínio do eu. Do que não fizemos. Tão racionais! Tão controlados! Palminhas para nós! E vivemos eternamente com a consequência...
Não foi dito. Nenhuma discussão encheu a sala de gritos. Muitos parabéns! Nenhuma violência tomou forma. Palminhas para nós! Pacatez e silêncio. O engolir do ressentimento. O engolir da mágoa. E agora?!? Solidificámos com frieza o magma da palavra. Dentro. Evitámos a erupção. Engolindo. E ficámos com o sólido do tumor na garganta. Que não explode. Que não rebenta. Mas que ascende e cria marcas em nós, pintando-nos a pele, seja a do corpo ou a da alma. Vícios. Hábitos. Tensões. Blocos arredondados de matéria que devia ter sido palavra. E não foi.
Um dia, quando vier ao topo, vão chamar-lhe caos. À medida que a vida lhe lima as arestas e que a mágoa rola, levando tudo à frente. Vão chamar-lhe caos. Quando formarem uma paisagem de rocha impossível de escalar. Vão chamar-lhe caos.
Mais valia, penso, que tivesse explodido, rebentado, incendiado. Mas não. Calamos. E para quê?! É um caos de blocos em nós.
Sei que sou difícil. Essa é a parte fácil. Saber que sou difícil. Ver o cenário granítico de montanha em mim. Entender essa rocha – o meu próprio Monte do Silêncio – e saber que sou caos. Mas porquê? Enfim... calei. Calei tanto que, hoje, não calo. Vão chamar-me muitas coisas. E há caos... eu sei!
Há muitas rochas dispersas para escalar em mim. A maioria vai desistir antes de chegar ao topo, de onde se vê até ao infinito das florestas da fantasia que me povoam a mente. Sei que não sou fácil. Certamente não sou para todos. Também não faço questão de ser. É preciso alguém muito especial para ver que, além da pedra, existe uma história... uma história bem antiga... que começou num sítio muito, muito profundo...
Marina gostei muito do texto, profundo no conteúdo e na expressão. Consegues fazer do caos um elemento poético. As "tuas" frases curtas enfatizam e facilitam a compreensão. Abraço amigo. Magnólia
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