terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A menina que não ouvia



Vocês podem ouvir a manhã nascer no cantar de um galo, a maré subir no grito da gaivota, a eternidade cantada na voz do vento. Podem ouvir o soar de um suspiro, o bramir de um sino ao longe, o correr do rio inquieto para o mar. São coisas nas quais não reparam, é claro. Foi-vos dado à partida. Não lhe dão valor.
Eu não ouço essas coisas. Não poderia ouvi-las ainda que orasse todas as noites por um milagre. Mas não tenham pena de mim. Não me lancem sorrisos de piedade. Não preciso deles.
As palavras são a minha música. É a ler que junto as silabas como notas e as deixo tocar dentro de mim uma canção que nem todos podem ouvir. Mas eu posso ouvir esta canção eterna porque a ouço, não com os ouvidos mas com a alma e o coração.
Eu ouço um sorriso. De olhar para ele, sei dizer, sem medos, que é feito nos tons de uma balada que eu não posso ouvir. E cada sorriso soa diferente no meu coração. Cada sorriso é tocado no seu tom e recebido na minha alma com uma sonoridade diferente.
Eu ouço o beijo na face. O tom ternurento e meigo de um abraço entre dois amigos. O olhar trocado entre amantes que se escondem nas esquinas. Eu ouço o desassossego. A lágrima que rola pela face e segue, segue, até cair nas mãos abertas. Eu ouço o ciúme, a tristeza, a alegria. Eu ouço o amor, o carinho, a saudade. Eu ouço as sereias que vagueiam nas profundezas do oceano. Sim, eu ouço tudo isso com a alma, com o coração, com os ouvidos do sentir.
Nunca ouvirei o mesmo que vocês, nem da mesma forma. Aos meus ouvidos não foi dada a dádiva de poder conhecer o mundano que tantos escutam e ignoram. Mas, em retorno, deram-me um coração gigante, capaz de sentir tanto que eu jamais poderia ignorar o som dos sentimentos, dos gestos, dos desejos.
Ser surdo não é não ouvir o que se ouve. É ignorar o toque do mundo em silabas de promessa e eternidade. É ignorar os sentidos. Eu não ouço. Mas não sou surda. Sei retirar música das coisas que vejo, das coisas que toco, de tudo o que sinto. E a minha vida avança com a mais bonita das bandas sonoras. Porque eu ouço o inaudível. E é nessa canção de alma que se conhecem os sons mais bonitos do mundo.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet


5 comentários:

  1. Anónimo11:00

    Ameeeeiii o seu texto... Tocou muito no meu coração e na minha alma.
    Pois, as suas palavras verdadeiras abalaram se o meu coração...
    Realmente não ouço, apenas sinto e vejo os "sons" o que se passa nossa volta...
    Sinto me grande no interior, não sei expressar o que sinto mais mas você que entende o que estou a dizer...

    Tens muito jeito, Marina, continuaaa, força! ;)
    Beijinho da tua fã Paty

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  2. Anónimo11:13

    Ah Marina,tão lindo teu texto,me deixou emocionada,parabéns,tudo que fazes é perfeito,sou tua eterna fã.
    Beijinhos Jenny ♥ ♥

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  3. e surpriendente a profundidade do texto a cada palavra de sentimento profundo ...ao delinear da exposiçao de tao grande sencibilidade.e é mais um trabalho que emriqueçe seus dons literarios.

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  4. Jessica A.20:18

    Parabéns,ótimo texto adoro o vosso jeito de escrever,tão profundo,me toca muito.
    Beijos

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  5. Este texto está diferente daquilo que costumas escrever. Está óptimo!!! Gostei! :D

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