segunda-feira, 15 de julho de 2013

Esboços de (in)felicidade


Naquele dia, a tristeza decidiu não sair da cama. Estava cansada de se levantar com o mundo, todas as manhãs e de trabalhar com a memória, segundo a segundo, num eterno compasso de saudades sem que nunca ninguém desse valor ao que fazia. Nesse dia, decidiu, não sairia da cama.
Enquanto a tristeza decidia, no entanto, milhares de pessoas saltaram dos colchões, de sorriso no rosto. Para muitas, era nova a sensação de bem-estar matinal. Comeram com um sorriso, vestiram-se com um sorriso, caminharam rumo aos trabalhos com um sorriso.
Naquele dia, o dia em que a tristeza não saiu, as pessoas saíram de si, contentes como nunca antes e caminharam no sossego do contentamento. Aconteceu o que nunca tinha acontecido: pessoas sorriram umas às outras por entre o trânsito, por entre trabalhos chatos e estafantes, por entre discussões e mal entendidos. No dia em que a tristeza não saiu, a felicidade não preguiçou. Era o seu dia.
E, enquanto a tristeza amuava, por entre os lençóis de mágoa, na solidão, a felicidade correu o mundo, entrando nos olhos e curvando os lábios de todos os que encontrou no caminho.
Teria sido o melhor dia da história do mundo, esse no qual a tristeza desistiu de trabalhar em vão, para um grupo inusitado de mortais que não a compreendiam. Só que, nesse dia, logo nesse dia, a poesia morreu. As rimas ficaram doentes e as quadras quebraram-se em versos vazios. E, na morte da poesia, morreram as outras artes, que nela buscam sentido. Poetas apáticos não deram espaço à felicidade mas apenas ao desapego completo da existência. E não se dançou, não se pintou, não se cantou...
Então, quando anoiteceu, naquele dia sem mágoas, a felicidade estava orgulhosa, a poesia estava morta e a tristeza continuava deitada, no seu amuo, por entre mantas de solidão.
Fez-se noite e fez-se dia. Fez-se hora de levantar. E, a custo, a tristeza obrigou-se a parar com a greve e saiu. Nas ruas, pessoas vazias já não sorriam. E não havia palavras nos jornais. Não havia livros nas montras. Não havia quadros nos museus. Não havia ópera, nem bailado. Havia apenas pessoas vazias com a memória do sorriso. A tristeza ficou triste de ver o mundo assim. Até a felicidade chorou, ao olhar para as pessoas, mecânicas e desinteressadas.
Correndo cidades e cidades apinhadas de gente, a tristeza buscou os artistas e tocou-os ao de leve. Foi então que eles sorriram. Sorriram na presença da tristeza e escreveram, cantaram, desenharam...
Não duvido: é a felicidade que dá cor à vida. Mas, se me perguntarem, é a tristeza que faz o esboço primário, a cinzento e a carvão e é apenas sobre ele que se pode colorir o mundo...

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

6 comentários:

  1. Tocante e verdadeiro. As polaridades necessitam umas das outras.
    Teresa Carvalho

    ResponderEliminar
  2. Anónimo13:55

    Excelente, e realista, texto!
    A tristeza também faz parte. Precisamos de ambas as partes para sermos equilibrados.
    Uma vez mais, Excelente texto.

    David Barbas

    ResponderEliminar
  3. Jennyfer Aguillar23:14

    Que incrível querida,como sempre suas escritas me fazem refletir e me sinto honrada e poder ler vossos textos.
    Gosto muito deste texto.Parabéns :D
    Beijinhos Jenny ♥

    ResponderEliminar
  4. Angélica23:12

    Cada semana textos melhores!! =)
    Parabéns!!

    ResponderEliminar
  5. Anónimo16:37

    É o segundo texto que leio e já estou tomando gosto por sua escrita Marina,são palavras sinceras e sentimentos que transbordam.Realmente gosto.
    Clarissa M.

    ResponderEliminar
  6. A tristeza faz parte e é uma constante da vida de simples mortais como nós.

    Que os sentimentos brotem sempre da "fonte" da sua felicidade e não da amargura.

    Bj

    António

    ResponderEliminar