terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Alma gémea




A minha alma gémea é menina mas caminha já, com passos largos, para a mulher que será um dia. Tem o rosto carente e o olhar solitário. Chora com facilidade e nem sempre responde no tom mais educado do mundo. Além disso, intempestuosa e irritável, faz fita e grita contra os ventos antes de dar a quem quer que seja a hipótese de justificar porque é que a vida nem sempre corre como se espera.
A minha alma gémea é alta e esguia. Tem corpo de bailarina porque o trabalha assim, em passos e pontas. Faz-se de forte para esconder a sensibilidade. Faz-se de fraca para conquistar nos outros a simpatia.  É exigente com o mundo e ainda mais exigente para consigo. Não aceita as derrotas. Não aceita o segundo melhor lugar.
Ela ainda não fala de amor, embora o sinta. Sente-o, é claro, naquela dimensão infantil de "gosto de ti". Mas não fala de amor. Diz apenas "ohs" e "ah huns" que se transformam em sorrisos tímidos e ecoam pela casa, seguidos de risos nervosos. Ela não sabe se quer amar, talvez porque tenha aprendido, em olhares perspicazes, que, no amor, não há vencedores e vencidos, não há primeiros lugares.
A minha alma gémea gosta de música e filmes. Não entende de política e economia. Evita os telejornais e as conversas sérias, com um revirar de olhos e uma mudança de divisão. É vaidosa e pinta as unhas mais vezes do que as necessárias, de volta em vez, camada em cima de camada, um dedo de cada cor. E combina com os arcos-íris das suas mãos os brincos espampanantes que sobressaem e gritam por entre os caracóis louros e desfeitos que não consegue domar.
A minha alma gémea apaixona-se com facilidade pela imagem utópica de um futuro nas artes. E faz planos a dois, comigo, como se eu e ela pudéssemos ficar juntas para sempre. As frases para amanhã começam por "nós". Inclui-me, como quem não o nota, em cada plano. Não concebe que a realização dos seus sonhos possa estar num lugar onde eu não esteja. É dependente de mim. Não mais do que eu dela. Na mesma medida. É um contrato implícito: eu ensino-a a sonhar e ela dá-me um motivo para viver. Eu ajudo-a a viver e ela segura-me os sonhos quebrados, fazendo dos sonhos dela também os meus.
Ela não faz sentido. Passa da pessoa mais doce à pessoa mais cruel. Da pessoa mais educada à mais respondona. Da mais trabalhadora à mais preguiçosa. Passa do riso às lágrimas. Do choro ao sorriso. Intercala facetas e humores com uma agilidade tão louca que se torna impossível acompanhá-la.
A minha alma gémea quer tudo e quer tudo ao mesmo tempo. Não se contenta com fragmentos de felicidade. Não tolera a injustiça. Vive num caos muito próprio e entende-se nele como ninguém.
Não! A minha alma gémea nunca será entendida pelo mundo. Mas quando me vê abre um sorriso e quando sorri faz-me sorrir também. A minha alma gémea não é um rapaz qualquer que me conquistou o coração e partiu, deixando mil textos e mil tristezas. É uma menina, a caminhar em passos largos para a mulher que será um dia. E, timidamente, eu sigo-lhe os passos, à espera desse dia. Com a amargura velada de perder nela a criança, o orgulho desmedido de poder vê-la crescer e a certeza infinita de que ela será para sempre a minha alma gémea.

Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet

6 comentários:

  1. PODERIA DISSER DESLUMBRANTE ENCANTADOR....COMO SEMPRE O TOQUE BOM,SENCIVEL EM NOSSA ALMA

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  2. claudeteschmidt11:12

    Gosto sempre desta sencibilidade que toca ate a pele...meu carinho...texto lindissimo profundo parece que lemos um livro...

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  3. Belo... como sempre :)
    Parabéns Marina
    Teresa Carvalho

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  4. Jennyfer Aguillar11:20

    Amei querida,as palavras são tão fortes e fazem do texto simplesmente magnifico :D
    Parabéns,beijinhos Jenny ♥

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  5. Anónimo11:21

    Um texto que gostei bastante,um dos melhores que já li.

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  6. Anónimo11:22

    Gostei Marina,está arrasando :)

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