terça-feira, 17 de setembro de 2013

Consulta

Música: Helder Godinho | Vejam a letra desta música aqui 

O que quer saber? Diga-me. Não tenho nada a esconder. Já superei o medo dos fantasmas. Já deixei de ter lágrimas quedadas na primeira sombra da memória. O que quer saber? Pergunte. Responderei a qualquer coisa.

Se me considero triste? É por aí que quer começar? Está bem! Eu falo sobre isso. Sim, acho que sou um pouquinho triste. Não como se as decepções tivessem corrompido a minha alma. Não como se a vida tivesse sido a pior das minhas inimigas. Mas sim, sou um pouquinho triste. Acho que nasci com esse dom. O dom de ser triste. Pede que explique? Porquê? Não se entende assim? Está bem. Eu explico melhor. É como o senhor, por exemplo, tem o dom de curar loucuras. O meu dom é ser triste e tem o mesmo sentido que o seu. Entenda: a minha tristeza escorre pela tinta da caneta e imprime textos. Gosto de pensar que esses textos curam... se não loucuras, ao menos mágoas.

Como é que a tristeza de um texto pode curar? Deixe-me rir. A tristeza alheia cura mais do que qualquer outra coisa. Não ponho em causa a bondade das pessoas nem os seus doces e altruístas corações. Não acho que a cura venha de uma felicidade pela dor dos outros. Acho que a mágoa cura porque as pessoas entendem que não estão sós. A solidão dói mais do que a mágoa, sabe?

Se sou sozinha? Não sei. Nunca pensei nisso. O que é estar sozinho? Vivemos no meio de multidões... Sinto-me sozinha às vezes, sim. Mas isso significa que o seja? Não, não acho que seja sozinha. Acho que sou uma pessoa que anda por aí acompanhada pela solidão.

Quer uma palavra que me defina? Não posso dizer. Não insista, por favor. Não posso... talvez se fossem duas... em duas poderia talvez escolher o amor e o sonho. Mas aí faltaria dizer palavra e escrita e saudade... eu não sou uma palavra. Eu sou um universo de palavras e, acredite em mim, nem todas boas.

Se desejo a morte? Tanto como uma vida melhor, suponho. Mas isso também depende do que a morte é para cada pessoa, não é? Como eu vejo a morte? Eu vejo-a como mais uma passagem da alma. Ela veio de algum lugar, ela vai para algum lugar. Não sei se desejo a morte mas sei que não a temo. Se for o fim de tudo? Mesmo que seja o fim. Não temo. Para quê? Não vivi vida que me faça temer um fim perpétuo do que quer que seja.

Não está aqui para me julgar. Eu ouvi. E também sei que o está a fazer. Está a julgar-me em olhares que tentam ser indiferentes e em palavrões científicos nesse seu bloquinho branco. Mas eu não me importo que me julgue. Dirá, em palavreado médico, que sou louca. Mas eu sei que o sou. Dirá que sou depressiva? Bipolar? Esquizofrénica? Tudo bem. Pense o que quiser. No fim, o senhor ficará com notas no caderno e eu ficarei comigo. O senhor pensará que eu preciso de drogas e eu pensarei que estou bem. E a maior das loucuras é que, quando sair dessa bata branca e a realidade se abater, também vai sofrer e também vai sentir-se só. Em momentos de desespero talvez deseje a morte. Mas vai engolir a loucura desses pensamentos, recalcá-los, ignorá-los. É assim ou não é? Nunca se sentiu desta forma? Pode afirmar que nunca se viu a erguer os braços numa oração pelo fim?

Eu incomodo-o. Sei que sim. Incomodo-o, não porque sou louca mas porque sou sincera. Porque assumo o que penso e o que sinto. Porque não tenho medo de pensar e de sentir seja o que for. Agora que respondi às suas perguntas, diga-me só, com honestidade... responderia às minhas?


Marina Ferraz




7 comentários:

  1. Amei como sempre texto lindo que vai ao encontro a que disem que todo poeta em vezes ele se analiza e acha fora da realidade como seus leitores o aman e vivem seus sonhos...ja sentia falta de seus textos amooo...

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  2. amo teu testos e este não poderia ser diferente expressa a realidade vivida por todos poetas que sonham vivem mais como personagens do que em vida real...

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  3. Jennyfer Aguillar21:24

    Amei o texto,gostei principalmente como ele se encaixa a realidade de muitos.Como sempre um texto incrível querida.Parabéns
    Beijinhos Jenny ♥

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  4. Anónimo21:24

    Vosso texto é soberbo,magnifico,tenho gosto :)

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  5. Jessica A.20:49

    Seu texto é incrível, palavras sinceras e verdadeiras, amei cada palavra.

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  6. pureza12:48

    Gostei muito de ler o teu texto Marise Parabens beijinhos para todos vos

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