Montas o teu próprio cavalo e salvas-te a ti mesma. Vês o
pôr-do-sol com as mãos dadas às rédeas do destino que te cabe escrever. Tens
medo de muitas coisas. Mas não deixas que nenhuma te trave. Essa é a coragem
que te leva. A galope. Pelas areias do mundo. Lado a lado com as ondas.
Chamam-te princesa. Chamavam-te princesa. Mas as vozes
emudeceram. E o sol poente pintou-te o traço guerreiro do caos. A tua
feminilidade ecoa na lâmina. Porque recusas ser homem e abominas a humanidade.
Na chama intemporal das velas ou na folha de papel continuas a plantar ciclos
de lua e sangue. Vertes circularmente o ano na pele. E, por veres tanto,
entendes até a simplicidade.
À medida que os teus cabelos longos se começaram a confundir
com as lápides do teu passado, as pessoas aprenderam a palavra “desapego”.
Disseram – ou pensaram alto – que não sabias amar. E sobre as areias do mundo.
Lado a lado com as ondas. Amaste. As areias e as ondas. O cavalo e o sol
poente. A essência que te fez salvares-te a ti mesma e dares as mãos às rédeas
de um destino com a tua caligrafia.
A galope. Eternidades escritas a granel. Pesos e medidas que
se costuraram nas selas onde te sentas, feito trono. O preciosismo das linhas
no couro amarelecido pelo tempo. Ergues o rosto. E o mundo toma por
impertinência o teu rosto erguido. Que só a mulher impura ergue o rosto de uma
forma tão certa. Ergues o rosto e estás nua. Mas sentes o vento e ele veste-te
com o ouro acetinado da memória da alma. Deve ser hora de partir.
Salvas-te a ti mesma. Das marés vazias. Que precedem
enchentes. Que precedem a preia-mar. As ondas têm espuma e tu tens mãos. Que
segurem as rédeas do destino impaciente. Só um pouco. Pedes. Mandas. És senhora
até dos elementos da Terra. Ligada a ela por raízes e asas.
O teu para sempre constrói-se nos espaços entre os dedos.
Membranas interdigitais de sonho. Sem espaço para anilhas. Mas com vidas novas
e eternidades além de si. Fundes-te contigo mesma e és toda feita de paixão.
Sentes prazer nas impressões digitais. És o fruto e a seiva da paixão mais
intemporal.
Montas o teu próprio cavalo e salvas-te a ti mesma. Vês o
pôr-do-sol com as mãos dadas às rédeas do destino que te cabe escrever.
Assustas os outros porque a espera não te convém e o cavaleiro alado não te
interessa.
Acreditas no amor. E ele assusta-te. Como te assusta a
manhã, em cada acordar. E a noite que vem depois do sol posto. E as marés
vazias que sugam para o horizonte as ferraduras e as possibilidades. Sim. Tens
medo de muitas coisas. Mas não deixas que nenhuma te trave. Essa é a coragem
que te leva. A galope. Por aí.
As areias do mundo são estrada. As ondas, banda sonora. És
una com a unicidade de ti. E os teus medos são nada. Vais. A galope. O sonho é
rutura e recomeço. Todas as noites tens medo de fechar os olhos. Todas as
madrugas tens medo de os abrir. É uma coragem inusitada para cada segundo do
dia.
Curas a alma com o sal do ar padecente em bruma. És
contraluz. Pintam-te de negro as formas sadias de mulher. Assusta que vás. A
galope. Cheia de medos. Mas sem ceder. Essa é uma coragem que os heróis dos
contos ainda não conhecem.
A galope. Salvas-te a ti mesma. Todos os dias. Tens pressa
de chegar a ti. Para te amares. Para sempre. Outra vez.
Texto brilhante, adorei, parabéns
ResponderEliminarLindo post. Parabéns.
ResponderEliminarArthur Claro
http://www.arthur-claro.blogspot.com