O ser humano. Racional. Porque só racionalidade se vê entre
os humanos. Não há espaço para outra coisa. É o que nos separa dos bichos. O
que nos torna superiores. O que leva o livro do génesis a mandar-nos reinar
sobre tudo o que é natural. Temos isso. A racionalidade. Seja isso o que for.
Vivemos entre alertas e avisos. Não fumar. Não acender
fogueiras. Não pisar a relva. Somos racionais. Inteligentes. Criamos as normas.
Afixamos placas. Lemos os avisos. A nossa racionalidade é tanta que até
conseguimos interpretar o que está por detrás das normas, placas e avisos. E
tão inteligentes que fazemos a escolha de cumprir ou não, consoante a nossa
vontade e prazer.
Em redor da nossa racionalidade há florestas queimadas,
mares de plástico e glaciares líquidos. Em redor da nossa racionalidade, há
espécies extintas e sangue jorrado a desporto. Em redor da nossa racionalidade,
edifica-se sombra de sonho similar, fazendo de nós argamassa e lodo, aplaudindo
a destruição que causamos.
Os Deuses taparam os olhos com as mãos. Eu faria o mesmo.
Faltou a luz de Prometeu. E somos nós o fígado carcomido. Somos nós a pedra que
amarra a esperança da sabedoria. Racionais. Que seres racionais são esses que
precisam que lhes expliquem o óbvio e nem assim o entendem?
Há um toque racional na voz que grita em nome da Natureza. E
irracionalidade no extremismo que logo se segue. Não conseguimos manter-nos
estáveis sem um pé no caos. Como se nascêssemos para reinar, não sobre tudo o
que é natural, mas justamente sobre a desordem das coisas. E não respeitamos o
mundo porque não lhe entendemos a simplicidade clara da leveza. Essa coisa
irracional de simplesmente estar e dar ao outro. De respirar e sentir que
basta.
O ser humano. Racional. É o que nos separa dos bichos. Dos
monstros. O que nos faz gente. Somar um mais um e não deixar ficar nada. Porque
a inteligência é egoísta. E o raciocínio diz que o prazer imediato conta mais.
Um dia, a humanidade vai morrer. Teremos um espaço concreto
e cheio de música, vazio de homens e mulheres e crianças. Um espaço irracional.
E é com medo dessa irracionalidade que se fala do fim do mundo. Mas não. Não é
o fim do mundo! É o fim da racionalidade tosca de um ser pensante. E um começo
mais puro. Sem a destruição racional de quem continua a não entender a
simplicidade da vida.
Os Deuses hão-de tirar as mãos da frente dos olhos e sorrir
ao verde. Morreu o caos, dirão. Racionalmente. Como mandou o livro do Deus
cego.
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