Tu tens o drama. Todo ele. Sem o mais pequeno indício de
gafe ou de lacuna. E o aspeto cuidado. As sombras e as nuances corretas. O
desenho perfeito de um olhar de estrela. Não seria preciso muito. Se tivesses
algum conteúdo, poderias ser um filme de Domingo à tarde.
Digo-o sem desprimor. Para os filmes de Domingo, isto é.
Servem as gentes e enchem as horas. E criam sonhos comuns em pessoas comuns.
Para que tudo mude. E tudo fique igual. Como tu.
Andando pelas rua, algumas pessoas hão-de deixar que se
quede em teu redor um sem fim de pensamentos frouxos. Clichés. E de tanto
sorrires à mesma amálgama vazia de assuntos insossos, os teus lábios tomarão o
sabor de gomos de laranja amarga. Mas não te importes. Haverá quem os beije e
quem deles sorva um desigual manto de amores perdidos. Também ele cheio de
clichés informais. Tirados desses filmes. Os de Domingo à tarde.
Mas sonha. Nos teus passos dados de salto alto, a virar pés
na calçada portuguesa. Sonha com o amor. Esse que nasce pelos belos olhos e as
belas palavras. E que termina num coração quebrado que outro amor repara com a
massa concreta da esperança. Deixa-te querer isso e mais nada. E dramatiza.
Como fazes tão bem. Recorrendo às palavras mais baratas das revistas e
atropelando-as com termos formais ouvidos aqui e além. Cultiva os termos como
sementes, acreditando que eles fazem nascer na terra baldia e infértil das tuas
frases algum tipo de rebento intelectual.
Minha querida. O olhar que se perde, vagando, à procura do
amor é mais vazio quanto te é dito que o teu amor devias ser tu. Saltas de
nuvem em nuvem pelo conceito, à procura da caixa perfeita onde ficas no espaço
seguro que te mura a zona de conforto. Que para desconforto bastam os saltos e a ideia quem inventou a calçada desnivelada que tu pisas. E dizes que não. Nunca,
nunca, nunca. Não vais ser feliz. Que tormento. Que impaciência. E o príncipe,
lá longe. Se te visse. Se olhasse. Se ao menos…
Tu tens o drama. Todo ele. Sem o mais pequeno indício de
gafe ou de lacuna. E o aspeto cuidado. As sombras e as nuances corretas. O
desenho perfeito de um olhar de estrela. Fico a olhar para eles. Não sei se
sinto pena de ti ou de mim, por não ser tu. Parece simples. Como respirar. Como
um filme de Domingo à tarde. Mas mais elementar.
Vais. Virando os tornozelos que se endireitam num salto a
cada tropeço, à espera da mão encantada do amor. E, se ele te ampara, é para a
vida.
Que felicidade pulsante, caminhando pelas ruas citadinas
onde me perco em pensamentos mil, formulando esquemas de compreensão do mundo.
Que felicidade! Feixe de louca sedução pelo que se dá como certo. Inebria e
luz! Quem me dera. Pode ser cliché. Mas quem me dera! Porque é que nunca tive
paciência para os filmes de Domingo à tarde?
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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