Nem todas as histórias que se contam sobre mim são verdade.
Algumas são. Talvez a maioria seja. Já me perdi de mim tantas vezes. Não sei
dizer. Não há muitas que me pareçam reais. Umas porque não me identifico com
elas. Outras porque não quero ver nelas o espelho do meu negrume. E ainda
outras por me fazerem esperar da vida mais do que o desalento.
Seja como for. Nem todas as histórias que se contam sobre
mim são verdade. Algumas colocam-me em locais onde nunca estive e põe-me na
boca palavras que nunca disse. Acredita. Se o disse, escrevi-o algures.
Vasculha pelas minhas notas de amor e ódio. Verás. Nem todas as histórias que
se contam sobre mim são verdade.
Acreditas em algumas. Da irracionalidade da crença eu já vi
surgir as mais variadas respostas. Do ódio contemplativo aos olhares recheados
de veneno, passando pelas palavras de ameaça e os gestos de violência. Sim! Eu
estava lá. Se disserem que estava, é verdade. Essa é uma história legítima.
Estava lá. Eu e a minha maneira de estar, muito pouco
adaptada ao mundo e às pessoas. Chata, inconveniente, repetitiva. Sou cansativa
e os outros já o sabem há muito tempo. Contam histórias. Comédias ímpares e
dramas sem hora. Fazem filmes a preto e branco onde eu apareço desfocada, como
se fosse um fantasma de mim. Algumas histórias que contam sobre mim são
verdade. Mas não todas.
Por exemplo. Fala-se muito da mentira onde eu disse verdades
que as pessoas não queriam ouvir. Porque é mais fácil acusar-me de falsidade do
que dizer que eu não meço as palavras na altura de as atirar, com a dureza da
realidade, ao rosto de quem quer que seja. As pessoas têm problemas com a
verdade. E têm-nos comigo, por arrasto. Mas eu falo. Quando é preciso. E não o
faço de forma bonita. Não arranjo eufemismos e sonhos e alentos. Digo. Dizer a
verdade já fez de mim “a mentirosa” tantas vezes que comecei a achar que a
palavra vinha trocada nos dicionários e enciclopédias do mundo. Fui ver. Parece
que tenho razão. Acho, por ter razão, que sou demasiado inteligente e que isso
me custa pontos no jogo da vida. Será? Não sei! Talvez. Mas o ponto é este. Nem
todas as histórias que se dizem sobre mim são verdade.
Algumas são. A história da depressão constante. Do olhar
pesado. Das conversas sobre literatura nos serões de farra. Da procura pela
inspiração no fundo de copos de vodka maçã. Das conversas longas com fantasmas
mortos de figuras que nunca existiram. Da tomada de coragem no fundo de
garrafas de vodka de baunilha e amora. Dos beijos molhados e proibidos na
procura do amor. Enrolada na cama. Vestida de roupa e despida de pudores. A
querer dar o que vem depois da alma a alguém que eu acho que me entende.
Entenda ou não.
Não sou nenhum exemplo de retidão nem quero sê-lo. Mas
também não sou a personagem que se cria em todas as histórias nas quais figuro
como protagonista triste. Nem todas as histórias que se contam sobre mim são
verdade. Algumas são.
Distinguir a verdade da mentira não importa muito, contando
que se morra. Não sou imortal. Talvez alguma história diga que sim. Mas não
sou. Vou morrer um dia, juntamente com a consciência de onde começa a verdade e
onde acaba a mentira. E o que ficam são histórias nas quais figuro.
Irreverente. Triste. Moralista. Ou simplesmente estúpida. Calculista.
Mentirosa. O que vai importar? Ficam as histórias e eu não. Fica o meu eu, que
não sou eu, mas apenas personagem de ficção em histórias que podem ou não ser
verdade.
Adormeço. Tranquila. Nem todas as histórias que se contam
sobre mim são verdade. Mas a história vira estória. E as estórias embalam o
mundo rumo ao amanhã. E amanhã começa tudo outra vez no nascer do sol. E o sol
sabe a verdade. É só isso que importa…
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
Sem comentários:
Enviar um comentário