Fotografia de Analua Zoé
Eu quero envelhecer contigo.
Isto é o que podia dizer-te, mesmo que não deva. Mesmo que
não tenha esse direito. E mesmo que o tivesse.
Fico a imaginar-te sentado, com um livro entre as mãos,
algures debaixo de uma lâmpada ou em frente a uma lareira. A precisares de
silêncio e de espaço para encheres o teu dia de palavras. E as palavras haviam
de ondear. E eu havia de ficar encostada à lareira. A olhar para ti. A escrever
poemas sobre ti. Mentalmente. Sobre a forma como o silêncio das tuas leituras
mudas era uma espécie de música. Aquele tipo de música que nenhum piano e
nenhum violino aprendeu a tocar.
Eu quero envelhecer contigo.
Encostar a cabeça no teu ombro, enquanto me falas da mulher
que te fez um homem melhor do que o homem que te fez. Enquanto me falas da
lucidez de pensamento que te inebria e de todas as conversas que, abrindo
espaços de mágoa em ti, te deixaram sufocado na tua própria incapacidade de
perceber o mundo.
Havia de beijar-te. Talvez já não com a loucura sôfrega de
uma juventude carregada de desejo. Mas havia de beijar-te. Sobre os lábios
quentes. E de passar a mão no teu rosto, olhar dentro de todo o mel dos teus
olhos. E dizer-te – se não as palavras mais bonitas do mundo – ao menos aquelas
que te fizessem saber que, para mim, és uma espécie de mundo melhor, onde quero
existir em pleno. Monstro. Como só tu sabes que sou.
Eu quero envelhecer contigo.
Quero que, à medida que as mãos calejam dos anos de
trabalho; e à medida que a flacidez toma conta da pele; e à medida que as rugas
se vincam; aprendamos a ser mais bonitos. Deixando os fantasmas e as vozes lá
atrás, onde nos disseram que não valíamos o chão, para descobrirmos que,
afinal, valemos mais do que o céu. E não precisa de ser o céu dos outros –
obsoleta e tediosamente cheios de anjos e nuvens – um céu nosso: feito de
exclamações e de versos. E de estrofes rugosas e de canções que ninguém
conhece.
Gostava que lesses, em voz alta, um ou outro poema meu. Só
de vez em quando. E que ainda tivesses nos olhos esse brilho que faz o tempo
fluir com a mais incrível das velocidades. E gostava de espreitar sobre o teu
ombro, para roubar uma ou outra palavra maravilhosa, nessa tela de infinitude
poética, à qual tão pouco valor dás mas da qual eu gosto tanto.
Eu quero envelhecer contigo.
Mas não te assustes. Eu não tenho a expetativa do tempo.
Simplesmente, hoje eu sei. “Envelhecer contigo” é outra coisa. Não é ficar com
alguém sempre. Não é ficar com alguém para sempre. É algo que acontece quando
alguém nos faz sorrir tanto, que os músculos do rosto doem. Quando alguém nos
faz rir tanto que nos vinca as rugas ao lado dos olhos.
Apetece-me agradecer-te. Por me envelheceres. Por me
deixares envelhecer contigo nos poucos momentos que roubamos à vida. Obrigada
por me fazeres velha. Dessa maneira que vinca rugas ao lado dos faróis de um
olhar que, em tempos, esteve apagado.
Eu quero envelhecer contigo.
E ainda bem que esta é a única forma como posso fazê-lo.
Porque, se a vida nos desse o espaço, e nós agarrássemos os fios e tecêssemos
outro tipo de história... ficariam livros por ler, silêncios por existir,
eternidades por acontecer... enquanto nos perdíamos um no outro.
Sim. Ainda bem. O tempo nunca nos daria a possibilidade de
envelhecer juntos. O tempo é cruel. O tempo passa tão depressa quando estou
contigo que anos seriam milésimos de segundo. Antes que tivesse a possibilidade
de envelhecer contigo, a morte bateria à porta.
Eu quero envelhecer contigo.
Neste segundo.
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