Fotografia de Analua Zoé
Eu gosto dos telhados de Lisboa. Daqueles terraços largos e
com horizonte distante, que saltam por entre o aguçado delinear das ruas
coloridas que bebem luz. Da sensação falsamente pura do ar que toma a forma de
aragem. Da proximidade das pequenas nuvens que ponteiam o céu. E do resplendor
do Tejo, que parece feito de ouro líquido. Eu gosto dos telhados de Lisboa.
Nos telhados de Lisboa - ou não fosse a moda a ditar que
neles se colocassem bares, cafés e restaurantes – existe uma vibração turística
da vida. Subir aos telhados de Lisboa é sair de Portugal para entrar num
universo distinto, onde se encontra uma face multicultural da vida. E a minha
língua de mel mistura-se, aos poucos, com o entusiasmo do inglês, do mandarim e
do francês. Revolve-se nos tons goiabados de alguém que a partilha noutro
sotaque e tem um acento angolano aqui e ali.
Os telhados de Lisboa sabem a café, amêndoa amarga, sidra de
maçã e vinho tinto. Para mim. Mas muitos dirão que sabem a gin tónico pontuado
de pimenta ou a cerveja. Sabem ao que cada um quiser que saiba. Sabem a mundo.
E eu gosto. Gosto muito dos telhados de Lisboa.
De telemóveis nas mãos ou com máquinas fotográficas das
melhores marcas, tentamos todos, com a mesma sofreguidão, levá-los para casa:
esses telhados, com as suas paisagens e as suas festas e as suas gentes. Mas
falhamos. Falhamos multilinguisticamente nessa tarefa de os levar para casa.
Porque nenhuma fotografia lhes faz justiça.
Libertando-nos da frustração da incaptável essência desses
telhados, lá nos deixamos partilhar sorrisos e palavras. Por vezes, se a noite
cai, deixamos que o sol nos convide para o melhor espetáculo do dia, quando a
cidade fica com um arco-íris horizontal, na linha recortada do seu horizonte
mágico. E eu gosto. Gosto mesmo desse pôr-do-sol que acontece sobre a linha da
cidade que eu escolhi tornar minha.
Perder esse espetáculo é ganhar outro. Se a noite já quedou,
a cidade iluminada faz lembrar um Natal que nunca acaba. O passar de carros na
distância lembra uma chuva de estrelas no chão. Pisamos as nuvens, olhando a
cidade mística que Ulisses estreou. E vamos lá, ao tempo de uma mitologia que
Lisboa não deixa morrer. Às vezes, isto acontece ao som do fado, para nos
recordar que a tradição ainda é – e será sempre – o que foi um dia.
Os telhados de Lisboa são uma recriação moderna do seu
bairrismo, ainda que muitos não o vejam. Porque se cria, nestes terraços
elevados da cidade, um sentido do que é viver Lisboa em vez de se viver nela.
E eu gosto. Gosto muito dos telhados de Lisboa.
Eu gosto dos telhados de Lisboa. Gosto deles porque não há
nada para não gostar. Mas, acima de tudo, amo-os porque não estás neles. Não
tenho uma única memória tua ali, que me arraste para o abismo. Então, nos
telhados de Lisboa, consigo estar mais perto do céu. Mais perto do sol. Mais
perto de mim.
E é nos telhados de Lisboa que me apercebo de que, às vezes,
morro de saudades minhas. De quem eu sou quando não estou agarrada às memórias
de nós. De quem sou, além das tuas palavras, que continuam a ecoar nos meus
ouvidos e me derrubam. De quem sou, independentemente de ti e de todo o nada
que às vezes sinto que me tornaste.
Eu gosto - realmente gosto - dos telhados de Lisboa.
Hoje, com leve aroma de rio, amizade e café, este telhado sabe a
liberdade.
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