Fotografia de Analua Zoé
Eu não sou livre. Livres são as palavras que me povoam a
alma.
Deixo-as fazer o que quiserem. Muitas vezes elas têm coragem
de dizer, em mim, coisas que eu nem tenho coragem de repetir. São caóticas e
devassas. E prostituem-se emocionalmente, em troca de vírgulas e travessões.
Detestam a solidão. Essas palavras. Usam sempre os pontos
aos pares para fazer introduções ou em trio para fazer reticências. Dentro de
mim, nunca nada acaba em ponto final parágrafo. Ou acaba em exclamação ou em
pergunta. Mais vezes em pergunta porque as palavras em mim têm muita
dificuldade em traçar linhas retas! Andam permanentemente embriagadas, seja de
absinto ou de ilusão.
São profundamente inocentes. Principalmente se considerarmos
que também o linguarejar obsceno lhes pontua as frases. Mas são inocentes.
Porque acreditam no amor e nos contos de fadas. Dizem que são detentoras de
inteligência emocional e eu questiono, muitas vezes, se isso não é um sinónimo
eufemístico de pura estupidez.
Mas o questionamento importa pouco. As minhas palavras são
ditadoras. Modelam as minhas ações e são rainhas do mundo da decisão
imponderada. Prendem beijos no sofá sujo e arrancam roupas pelo chão como quem
semeia nudez. E querem sentir-se preenchidas por verbos e adjetivos insensatos,
como se eles lhes dessem a cor contundente que o mundo – cheio de gente que só
vê a preto e branco – lhes tenta roubar.
Riem. Riem alto. E choram. Igualmente alto. Não se importam
minimamente com as opções do léxico e da semântica. Estão ideológica e literalmente
a marimbar-se para a forma estética, métrica e patética como a gramática
estipula que elas devem colocar-se para formar frases com um mínimo de sentido.
Fazem excursões em mim. Pelas veias. Ora me entram nos
limites do pensamento, ditando ideias mirabolantes; ora me passeiam pela pele,
estimulando sentidos eróticos sobre o que já aconteceu comigo e sobre o que se
imagina que, num tempo de vida humana, possa ainda acontecer.
Como não são humanas, as palavras brincam com a minha
mortalidade e vão dizendo que querem que eu seja imortal. De pouco adianta
negar-lhes a vontade. Elas insistem. Dizem que, quando o meu caixão baixar à
terra, não haverão de ir comigo e que, por isso, serei eterna. Minando-lhes
alguns pontinhos de razão, eu escrevo-as na pele, em tinta permanentemente
entranhada na derme. Para poder, pelo menos, levar uma ou outra comigo para a
sepultura, no dia em que adormecer.
As minhas palavras adoram-te. E eu ainda tentei mantê-las
atrás de grades. Mas, maleáveis e fluídas, elas fugiram-me dos dedos e dos
lábios, sem que eu tivesse controlo. Mas não é só sobre ti. É sobre tudo. As
palavras saltam-me das mãos e do peito, em verborreias escandalosas, por tudo
e nada. E a vontade nem é minha. É delas. Embora eu viva permanentemente com os
danos causados pelas suas vontades egoístas.
As pessoas olham para mim, nesse largar de conceitos e de
normas. E dizem. Que sou livre. Aplaudem a liberdade. A minha suposta liberdade. Mas eu não sou livre.
Sou escrava destas palavras que me dominam, me controlam e me definem.
Eu não sou livre. Livres são as palavras que me povoam a
alma.
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As palavras que nos algemam para poderem correr, são as melhores. =)
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