Fotografia de Analua Zoé
Há palavras mudas nos meus lábios calados. Quem as ouve
finge que ignora. As palavras incomodam. Peço imensa desculpa. Suponho que
tivesse, originalmente, uma ou outra, mais condescendentes. Mas essas estavam,
certamente, armazenadas nas células cerebrais que já cometeram apoptose… e que
nunca regeneraram.
Calo-as.
As palavras.
Calo-as mas não compreendo porque é que as pessoas têm tanto
medo delas. Porque é que as aprisionam nas jaulas de formatação contínua,
continuando a repetir, feito rebanho ordenado, sempre as mesmas, sempre pela
mesma ordem, sempre no caminho do mundo das concessões e dos inequívocos.
Apetece-me, ainda que calada, abanar as pessoas.
Nem que seja para ver se, como dentro dos ovos de chocolate,
o chocalhar de ideias contra a carcaça de carne me mostra que elas têm alguma
coisa lá dentro.
Mas as pessoas não querem só que eu me cale. Também querem
que não lhes toque. Sou esquisita. As asneiras que não digo – por estarem mudas
nos meus lábios calados e serem pretensamente ignoradas - ainda conseguem sair
pelos poros, pelos olhos, pendurar-se nas lianas dos meus fios de cabelo.
As pessoas não querem sentir o choque desses abanões. Ainda
agora adormeceram a racionalidade. Seguem. Consensuais. Tentando mover-se o
mínimo possível para que ninguém dê por elas. Com votos de prosperidade e
bem-estar. Muita saúde. Muito amor. Muita coisa que sabem, perfeitamente, que é
utópica. Mas dizendo que não creem na utopia e sim na religião dogmática.
Então, desejam. Desejar é gratuito (por agora).
Há palavras mudas nos meus lábios calados. Quem as ouve
finge que ignora. Mas eu pouso os olhos sobre a uniforme mancha de pessoas. Nas
lojas. Nas ruas. Nos centros comerciais. Nos restaurantes. Todas cheias de si.
Todas defendendo um eu. E todas iguais umas às outras.
A mesma ideia toma boleia de vinte frases distintas que
dizem o mesmo. Discursos políticos de café. E o mendigo, que estende a mão e pede
compensações pelo mal causado pela amálgama humana uniforme, é considerado
louco. Em alguns momentos ele prefere ser pobre a ser cego. E quase dá a parca
esmola que lhe povoa o fundo do copo de plástico a quem passa. Aquelas pessoas
às quais deram olhos que não servem propósito e cérebros sem manual de
instruções.
Há palavras mudas nos meus lábios calados. Quem as ouve
finge que ignora.
Ignorá-las é a melhor forma de viver a vida, fazendo
proliferar os jardins de betão, que sopram fumo e ócio penoso. Ignorá-las é a
forma de fugir das nuvens que trazem o medo da morte sob a forma de chuva
ácida. Ignorá-las é a melhor forma de viver a vida sem perceber que isto não é
vida. Ignorá-las será sempre a melhor forma de viver. Uma forma eterna de regar
as pedras do canteiro e deixar murchar as flores.
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