Fotografia de Rui Barroso Photography*
*esta imagem integra o projeto fotográfico "TCHOVA XITA DUMA".
Por favor, mucunha[1]. Levanta essa
câmara. Os olhos que te vertem são lente isolada. E o mundo não sabe. Por
favor, mucunha. Leva-nos contigo
nessa viagem.
A tchova
é insuficiente. Transporta produtos e gente. Transporta o empoado da História e
da cultura. Mas falta-lhe o espaço para carregar também as estórias. As estórias da
gente. As estórias contadas em
silêncio, de pé na terra batida, a machambar[2], a vender mercancia e almas na beira da estrada, correndo
as carreiros na busca de um futuro qualquer...
Temos força, mucunha. Não tomes o pedido por incapacidade ou desazo. Não tomes o
pedido por fragilidade ou fraqueza. Vê. Estes braços carregam futuros, como as mulheres
carregam filhos. Mas há o ir e o voltar e o ser da terra que nos cultiva gente.
Estendo-te a mão aberta. Sou eterno
cativo desta terra seca. Livre dos tempos escravos. Preso à ancestralidade do
que me dita o preço da lonjura. Peço-te atenção. Como quem pede chuva para
regar o solo. E ofereço-te o sol, no riso de uma criança. A felicidade,
compreende, é uma segunda pele sobre a pele, quando nela se traz apenas roupa
rasgada e sonhos nado-mortos. E a
criança ri. Por favor, mucunha.
Levanta essa câmara. Eterniza esse riso. É nele que nos mora a esperança.
Existe muito nos sons das ruas. Um
pôr-de-vida estendido da realidade nua até à celebração dos dias. Verás como
somos a massa do concreto que edifica nações. Mas há tanto céu aberto. E tanta
terra infértil. E tantos homens tristes. E tanto muana[3]
que nunca conhecerá as possibilidades da vida simples.
Levamos o mundo. Nos braços. Sobre os
ombros. Sobre as cabeças. Literalmente.
O seu peso não é apenas físico, concreto... mas alegoria. Antes de sermos livres,
fomos escravos. Antes de sermos gente, fomos colonos. E, agora, somos sobra do
correr do tempo. O madoda[4] lembra. Lembrando,
recorda-nos. Somos gente livre e capaz. Tchova
Xita Duma.
Por favor, mucunha. Levanta essa câmara. Melhor é que se disparem câmaras do
que armas. Melhor é que se levem memórias do que salvatérios. Leva-nos contigo,
nessa viagem. Leva, nela, a imagem eternamente jovem das nossas crianças. Transporta
os seus sorrisos. E toda a sua esperança. E toda a esperança que nos são...
Há muito amanhã no hoje que se
cultiva, machambando. E todo o amanhã
que carregas cabe na imagem que fica atrás do tempo cativo. Mas cativa-o. Para
recordares as mães que carregam futuro às costas. E as mulheres que carregam
futuro sobre as cabeças. E os homens que o levam dos campos às estradas, e das
estradas à cidade, e da cidade ao sonho. E as crianças, que o abraçam num
companheirismo leve e lento e cheio de compassos.
As estórias cativas. Leva-as nessa viagem. A tua máquina e a tua
memória são a tchova que transporta a
nossa alma. Os teus olhos, que te vertem, regam a esperança de que o mundo
venha a saber... Khanimambu[5]. Agora, deixa que
o mundo saiba – nessa tua lente-olhar
- o que nenhuma imagem poderia dizer... mesmo gritando.
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