1995
Olha para a esquerda e para a direita antes de atravessar.
Palavras da minha mãe, na
proximidade da passadeira.
Mesmo tendo prioridade, olha sempre para a esquerda e para a direita.
Andam malucos por aí…
As outras pessoas atravessavam.
Sem olhar. E ela acrescentava:
Tu não és os outros. Tem cuidado! Olha para a esquerda e para a
direita.
A esquerda e a direita não eram
caminho. Eram só as direções de onde vinham as ameaças. Aquelas que podiam
impedir-nos de chegar ao outro lado, para seguir caminho.
2024
Estou parada na beira da
estrada, com a Liberdade do outro lado da rua.
Ao meu redor há gente. Vou
vendo as pessoas. As que só olham para a direita. As que só olham para a
esquerda. As que olham para os dois lados e criticam um deles, defendendo o
outro. Pessoas que entram estrada a dentro e caminham para esquerda. Pessoas
que entram estrada a dentro e caminham para direita. Que vão pelo meio da
estrada. Ignorando o trânsito. À espera de descobrirem sei lá eu o quê.
Próximas de descobrirem como fica a palavra SCANIA
impressa ao contrário na testa.
Pessoas convertidas pela luz
sagrada dos leds da TV defendem
partidos como se fossem clubes de futebol. Olham para a direita se ela diz o
que querem ouvir. Olham para a esquerda se lhes dizem que é lá que anda a
melhor relação de imobilidade-rendimento.
Do outro lado da estrada, está
a minha Liberdade. Também está lá a equidade. A racionalidade. A cultura. A
arte. O equilíbrio. O entendimento. A justiça. A estabilidade. O futuro.
As pessoas atiram-se para o
meio da estrada, caminhando para a esquerda e a direita. Ou andando em círculos
como as moscas quando entram em casa… e que supostamente também estão à procura
de uma saída.
Mergulho nas ideologias e tento
encontrá-las nos discursos. Mas o ronco do motor dos camiões de transporte de
adubo da direita, com o seu fumo poluente e aroma execrável, é apenas
superficialmente menos tolerável do que o insuportável acelerador a fundo nos
Ferraris da esquerda (aos quais trocam o cavalinho empinado por um VW durante o
tempo de campanha, para que pareçam mais comunitários e comedidos).
E há as pessoas. A andarem na
direção da direita. E há as pessoas. A andarem na direção da esquerda. Como se
as mães nunca lhes tivessem ensinado a traçar perpendiculares à estrada,
atravessando com cuidado, para irem na direção que querem e não na direção que
lhes dizem para quererem.
Eu não sou os outros.
Olho para a esquerda e para a
direita antes de atravessar. Que andam
malucos por aí… Malucos à esquerda. Malucos à direita. Ocasionais
ditadorzinhos aqui e ali.
Tenho os olhos pousados no que
quero. A Liberdade. A equidade. A racionalidade. A cultura. A arte. O
equilíbrio. O entendimento. A justiça. A estabilidade. O futuro.
E olho para um lado e para o
outro. Mas toda a gente acha que tem prioridade. Então, contra todos os
conselhos maternos, vou atravessando assim mesmo.
À espera de descobrir se vai
ser a direita ou a esquerda a atropelar-me desta vez…
Marina Ferraz
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