Disseste "vá, até amanhã". Casualmente. Como se a
distância entre o hoje e o dia seguinte fosse um salto comum e óbvio. Mas não
era. Eu sabia. Tu também. O teu amanhã não se tratava do dia que vinha a
seguir. Lembro-me de pensar "não te vejo mais". Lembro-me de o
pensar, cheia de certezas, enquanto repetias "até amanhã, até
amanhã".
Disseste-o, sem pensar, andando às arrecuas na direcção do
carro. E tinhas os olhos vazios, enquanto as mãos seguravam a chave com a força
da decisão da partida. Mas eu tinha lágrimas nos olhos e tu tinhas pena de mim.
Porque é que tinhas pena de mim? Não sou digna de dó. Eram só lágrimas, nas
imediações do olhar, recusando a queda. Mas bastaram. Bastaram para que
olhasses para mim e me dissesses, andando atabalhoadamente na direcção do teu
carro "vá, até amanhã".
Havia uma promessa implícita nas tuas palavras. "Não
vou a lado nenhum", dizia essa promessa de amanhãs. Mas estavas a ir.
Deste conta que estavas a ir? Prometias-me uma presença enquanto avançavas para
uma distância segura, onde não podia agarrar-te nos braços ou selar qualquer
promessa com um beijo. Estavas a ir. Na promessa ousada de que não irias
jamais, estavas a ir. Afastavas-te de mim, passo a passo, com medo de voltares
as costas pela ideia de que eu poderia chorar se o fizesses. E se chorasse?
Ficarias se eu chorasse? Era disso que tinhas medo? De ficar?
"Até amanhã, até amanhã". O teu olhar vazio preso
em mim não tinha a mais pequena nuance do sentir. E, enquanto te afastavas,
notava que ele ganhava luz, como se eu fosse sombra e te roubasse o sol. Mas
ias dizendo "até amanhã". Porquê?
Não ias simplesmente, com a naturalidade de um amanhã.
Fugias. Era isso que fazias, enquanto me abandonavas no passeio e me dizias
"até amanhã", com o mesmo desapego com o qual se pisa uma pedra da
calçada. E, fugindo, avançavas na direcção dos sonhos que não podias cultivar no
meu negrume.
Alcançaste o carro e sorriste. "Até amanhã",
atiraste-me, ao abrires o vidro. E eu respondi-te o mesmo. De lágrimas nos
olhos mas com um sorriso no rosto, ouvi os meus lábios descrentes dizerem
"até amanhã".
E depois o carro partiu e eu fiquei. Sombra entre pedras da
calçada, murmurando entre dentes: "adeus, sei que não te vejo mais".
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
Vejam a página do músico aqui
Adorei querida,texto perfeito de verdade.
ResponderEliminarGostei bastante,beijinhos Jenny ♥ ♥ ♥ ♥ *--* :D
Lindas palavras, é um belo texto. Parabéns :)
ResponderEliminarMuito emocionante.adorei
ResponderEliminarmagnificas palavras, muito tocantes, continue iluminando-nos! sucesso!
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