Não te amo.
Desculpa.
Sou-te luar. Não posso dizer que te luo. Posso? A lua não tem
formas verbais. Conjugações. Mas é isso. Sou-te luar. Luo-te.
Luar é muito mais do que amar. O amor é redutor. Fizeram
dele palavra de uso. E definiram-no, como se pudessem definir o cosmos, em
palavrinhas tão pequenas que delas mal se retira um significado que valha a
leitura.
Passa por coisa de brilho. Coisa de luz. O amor. A lua não.
Sendo brilho e luz, a lua lembra que anoitece. Lembra que há fases. Que há
escuridão nos meandros do tempo que avança. E lembra que o negrume aparece,
alastra, se torna tão permanente que é como se não existisse salvação. Tudo,
para depois lembrar que a salvação existe, que a luz retorna, que o brilho não
se perdeu.
Somos assim. Tu e eu. Com as nossas fases boas. Com as
nossas fases más. Com as nossas metástases de sonho, irradiadas pelo corpo e
pela alma. Pelo coração pulsante. Pela garganta arranhada dos gritos e dos
desassossegos. Temos dias bons. Temos dias maus. Às vezes, és o meu cavaleiro,
protector e indestrutível contra as adversidades do mundo. Mas, em alguns dias,
és menino, e eu visto a armadura e avanço rumo aos medos, pelos dois. Somos
escada. Degraus da mesma escada. Subindo pelos mesmos objetivos. E, todas as
vezes que me deparo com as sombras irradiadas pela dor penetrante de um adeus,
sei (mais do que admito saber), não quero descobrir um mundo sem ti.
Somos o reflexo dos passados que vivemos e nunca superámos. Bichos
isolados, temerosos, sempre à espera que nos seja infligido o sofrimento. Não
deixamos ninguém passar da soleira da porta. Só deixámos uma vez. Passei a
porta. Passaste a muralha. Passei a carapaça. Passaste a máscara. Entrámos na
vida um do outro. No espaço um do outro. No lugar um do outro. No corpo um do
outro. Na pele um do outro. E sabem os Deuses que entrámos, por vezes, à força
de nos batermos contra pessoas, problemas, circunstâncias e fantasmas.
Obsessivamente, recuso-me a imaginar-me sem ti. E sinto, de
ti, uma recusa igual. Passa o tempo. Passa a vida. E lá vêm os nossos quartos
minguantes. A nossa escuridão. Procuro não dizer que também te quero o caos.
Mas quero. Quero-te o sorriso. A mão. O calor. Mas também quero o nervosismo
irado que embate nas paredes e me ataca, me desconsola, me atormenta.
Dirão - têm razão - não é amor! Não te amo. Luo-te. Em todas
as tuas fases. Sinto-me sempre perder o olhar e a noção em ti. Sinto-me sempre
contemplar a tua beleza, feita de metamorfoses. Luo-te. E, porque vejo nos teus
olhos o reflexo dos meus, sei. Luo-te e sou-te luar.
Que se amem as figuras de livro que preenchem os romances e
não vivem.
Que se amem as personagens de cinema, sempre tão banais e lineares.
E que continuem a fazer do amor um verbo conjugável em
tempos que não fazem sentido.
A lua não tem presente. Nem futuro. Não é luz. Nem
escuridão. Conjuga-se num tempo chamado eternidade e apenas nele se transforma
sem mudar.
Desculpa se eu não te amo.
Mas o que temos não é amor.
É luar.
É luar.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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