terça-feira, 6 de setembro de 2022

Caos de blocos em nós


Não explode. Não rebenta. Solidifica. Com o tempo vem ao topo. Com o tempo erode. E tudo é caos. Mais valia, penso, que tivesse explodido, rebentado, incendiado. Mas não! Solidificou. Dentro. Veio à flor da pele dessa terra que somos. E, ali, erode. Criando formas rígidas e arredondadas. Quem olha, não faz ideia...

 

Ninguém sabe o que vem de dentro e como chega à pele. O modo como os gestos, as palavras, as ações do mundo se imprimem, criando tensões e medos e agruras. A violência não é inata. A rigidez também não. Criam-se na profundidade do planeta que somos. Debaixo das muitas camadas que nos compõe e que nos cobrem o centro líquido e quente, que é alma e mente e emoções que ninguém explica.

 

O magma é o sangue nas veias. E, por vezes, quando a vida magoa por ação alheia, a erupção acontece. Vem, explosiva. Escorre e queima. Devia ser sempre assim! Devia ser sempre esse cuspir de piroclastos na forma de palavras. Devia ser sempre esse jorrar de ideias que diz: isso magoou-me e não é justo. Mas não é. Calamos. E, quando calamos, lançando o gelo para dentro, tentando agir friamente, racionalmente, o magma do não-dito solidifica ali mesmo. No coração. Na garganta. Vira tumor.

 

Orgulhamo-nos do domínio do eu. Do que não fizemos. Tão racionais! Tão controlados! Palminhas para nós! E vivemos eternamente com a consequência...

 

Não foi dito. Nenhuma discussão encheu a sala de gritos. Muitos parabéns! Nenhuma violência tomou forma. Palminhas para nós! Pacatez e silêncio. O engolir do ressentimento. O engolir da mágoa. E agora?!? Solidificámos com frieza o magma da palavra. Dentro. Evitámos a erupção. Engolindo. E ficámos com o sólido do tumor na garganta. Que não explode. Que não rebenta. Mas que ascende e cria marcas em nós, pintando-nos a pele, seja a do corpo ou a da alma. Vícios. Hábitos. Tensões. Blocos arredondados de matéria que devia ter sido palavra. E não foi.

 

Um dia, quando vier ao topo, vão chamar-lhe caos. À medida que a vida lhe lima as arestas e que a mágoa rola, levando tudo à frente. Vão chamar-lhe caos. Quando formarem uma paisagem de rocha impossível de escalar. Vão chamar-lhe caos.

 

Mais valia, penso, que tivesse explodido, rebentado, incendiado. Mas não. Calamos. E para quê?! É um caos de blocos em nós.

 

Sei que sou difícil. Essa é a parte fácil. Saber que sou difícil. Ver o cenário granítico de montanha em mim. Entender essa rocha – o meu próprio Monte do Silêncio – e saber que sou caos. Mas porquê? Enfim... calei. Calei tanto que, hoje, não calo. Vão chamar-me muitas coisas. E há caos... eu sei!

 

Há muitas rochas dispersas para escalar em mim. A maioria vai desistir antes de chegar ao topo, de onde se vê até ao infinito das florestas da fantasia que me povoam a mente. Sei que não sou fácil. Certamente não sou para todos. Também não faço questão de ser. É preciso alguém muito especial para ver que, além da pedra, existe uma história... uma história bem antiga... que começou num sítio muito, muito profundo...


  Marina Ferraz





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1 comentário:

  1. Anónimo12:32

    Marina gostei muito do texto, profundo no conteúdo e na expressão. Consegues fazer do caos um elemento poético. As "tuas" frases curtas enfatizam e facilitam a compreensão. Abraço amigo. Magnólia

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