O sonho levou a mala para a porta. Abriu-a com confiança.
Enfiou-se dentro dela e fechou-a. Mas não se limitou a fechá-la. Fechou-a de
uma forma tão abrupta que emperrou a fechadura. Não queria que o tirassem dali.
Estava onde queria estar.
Já só, na escuridão de uma mala de viagem, gritou-me a
plenos pulmões. Um grito que ecoou pela casa e que trespassou as paredes, se
estendeu pelos vales, pelas florestas, pelas praias.
Segui-lhe a voz. Segui-lhe a voz para me deparar com a porta
e a mala fechada à porta e o sonho arrumado na mala. Os olhos encheram-se de
lágrimas. A vida encheu-se de desgostos. A minha alma encheu-se de perguntas
que não fiz. Tomei-lhe a mudança por desistência. E a esperança morreu
suavemente dentro de mim, aos poucos, levemente, enquanto o sonho se agarrava
aos cantos poeirentos da bagagem e se
fundia neles.
"Não fiz mais do que lutar por ti!", atirei-lhe,
em desespero. "Nesta vida, fiz das tuas as minhas vontades. Caminhei
tendo-te como caminho e meta. E é assim que me abandonas."
O sonho riu. Riu, como se a minha dor não o ferisse mas, ao
invés disso, lhe desse um gozo desmesurado, lhe trouxesse uma felicidade
irónica e irreal.
"Todos os dias...", ouvi-me continuar, em palavras
que não sabia que queria dizer. Mas as palavras fluíam, atiradas ao ar, caindo
sobre a pequena mala. "Todos os dias acordei e disse ao mundo: eu não
tenho nada além do sonho. E agora? Agora vais embora? Vais assim, arrumado na
escuridão, deixando-me para trás? Se não te tenho o que direi agora ao mundo?
Somente que não tenho nada?"
O riso tornou a ecoar, mais cru, mais perverso. Um riso que
se misturava nas minhas lágrimas e criava um ambiente agridoce de amor e ódio.
"Não vás!", implorei por fim. Depois da acusação o
medo. O medo de ficar só por entre uma vida sem sonhos. "Ainda estamos a
tempo, tu e eu. Eu luto por ti, tu aguentas-me em pé quando o chão quebra. Não
vás! Não vás ainda. És tanto quanto tenho, nesta vida de pesadelos e
desilusões."
Dessa vez, o sonho não riu. Fechado na pequena mala, ergueu
o sobrolho e, sem que eu o visse, sem que eu o soubesse, suspirou.
"Foste tu que sempre disseste que me querias!",
não era uma acusação. Ainda assim, movi-me com desconforto, como se as palavras
queimassem. "E, no entanto, aqui estamos. Estás a lutar por mim, com
lágrimas nos olhos."
Assenti, enquanto buscava no ar pesado do meu mundo de
pesadelos a força para responder. "Não vás!", repeti. O sonho não fez
caso das minhas palavras.
"Vou! Tenho de ir. Lutaste por mim a vida inteira,
passando ao lado do que era mais importante. Já não quero ser a tua
meta.", a resposta, sincera e crua, abalou-me os alicerces de uma vida
mas, falando do interior da mala, o sonho continuou. "Não serei mais a tua
meta mas tão só o companheiro de viagem. Agora, agarra em mim e vai atrás da
felicidade".
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
Parabéns Marina, conseguiu prender-me!!
ResponderEliminarEra o texto que eu procurava,ando nesses dias meio dispersa ao mundo,com sonhos e mais sonhos e isso me fez de certa forma acordar para a realidade,agora eu realmente vou atrás da minha felicidade e sem deixar de lado os sonhos.
ResponderEliminarParabéns querida,cada vez fico mais feliz em poder ler aquilo que escreves.
Beijinhos Jenny ♥
Tanta vitória num texto que podia ser deste tamanho que leio ou do tamanho de mil bibliotecas. Tenho tanto orgulho em ti Fadinha*
ResponderEliminarGostei muito <3
ResponderEliminarPor Dios...
ResponderEliminarTexto hermoso querida. Ame.
Por Dios...
ResponderEliminarBello texto querida.
Fiquei emocionada...
ResponderEliminarObrigada por mais este texto
Gostei muito... Parabéns!
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