Naquele dia, a tristeza decidiu não sair da cama. Estava
cansada de se levantar com o mundo, todas as manhãs e de trabalhar com a
memória, segundo a segundo, num eterno compasso de saudades sem que nunca
ninguém desse valor ao que fazia. Nesse dia, decidiu, não sairia da cama.
Enquanto a tristeza decidia, no entanto, milhares de pessoas
saltaram dos colchões, de sorriso no rosto. Para muitas, era nova a sensação de
bem-estar matinal. Comeram com um sorriso, vestiram-se com um sorriso,
caminharam rumo aos trabalhos com um sorriso.
Naquele dia, o dia em que a tristeza não saiu, as pessoas
saíram de si, contentes como nunca antes e caminharam no sossego do
contentamento. Aconteceu o que nunca tinha acontecido: pessoas sorriram umas às
outras por entre o trânsito, por entre trabalhos chatos e estafantes, por entre
discussões e mal entendidos. No dia em que a tristeza não saiu, a felicidade
não preguiçou. Era o seu dia.
E, enquanto a tristeza amuava, por entre os lençóis de
mágoa, na solidão, a felicidade correu o mundo, entrando nos olhos e curvando
os lábios de todos os que encontrou no caminho.
Teria sido o melhor dia da história do mundo, esse no qual a
tristeza desistiu de trabalhar em vão, para um grupo inusitado de mortais que
não a compreendiam. Só que, nesse dia, logo nesse dia, a poesia morreu. As
rimas ficaram doentes e as quadras quebraram-se em versos vazios. E, na morte
da poesia, morreram as outras artes, que nela buscam sentido. Poetas apáticos
não deram espaço à felicidade mas apenas ao desapego completo da existência. E
não se dançou, não se pintou, não se cantou...
Então, quando anoiteceu, naquele dia sem mágoas, a
felicidade estava orgulhosa, a poesia estava morta e a tristeza continuava
deitada, no seu amuo, por entre mantas de solidão.
Fez-se noite e fez-se dia. Fez-se hora de levantar. E, a
custo, a tristeza obrigou-se a parar com a greve e saiu. Nas ruas, pessoas
vazias já não sorriam. E não havia palavras nos jornais. Não havia livros nas
montras. Não havia quadros nos museus. Não havia ópera, nem bailado. Havia
apenas pessoas vazias com a memória do sorriso. A tristeza ficou triste de ver
o mundo assim. Até a felicidade chorou, ao olhar para as pessoas, mecânicas e
desinteressadas.
Correndo cidades e cidades apinhadas de gente, a tristeza
buscou os artistas e tocou-os ao de leve. Foi então que eles sorriram. Sorriram
na presença da tristeza e escreveram, cantaram, desenharam...
Não duvido: é a felicidade que dá cor à vida. Mas, se me
perguntarem, é a tristeza que faz o esboço primário, a cinzento e a carvão e é
apenas sobre ele que se pode colorir o mundo...
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
Tocante e verdadeiro. As polaridades necessitam umas das outras.
ResponderEliminarTeresa Carvalho
Excelente, e realista, texto!
ResponderEliminarA tristeza também faz parte. Precisamos de ambas as partes para sermos equilibrados.
Uma vez mais, Excelente texto.
David Barbas
Que incrível querida,como sempre suas escritas me fazem refletir e me sinto honrada e poder ler vossos textos.
ResponderEliminarGosto muito deste texto.Parabéns :D
Beijinhos Jenny ♥
Cada semana textos melhores!! =)
ResponderEliminarParabéns!!
É o segundo texto que leio e já estou tomando gosto por sua escrita Marina,são palavras sinceras e sentimentos que transbordam.Realmente gosto.
ResponderEliminarClarissa M.
A tristeza faz parte e é uma constante da vida de simples mortais como nós.
ResponderEliminarQue os sentimentos brotem sempre da "fonte" da sua felicidade e não da amargura.
Bj
António