terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Costurei





Costurei. Na minha condição. De bicho. De mulher. É para isso que servem as mulheres. Para costurar.

Comecei por bordar a ponto pé-de-flor o sonho de não ser. Porque o sonho de ser estava estampado de origem no tecido de mim. Bordei o sonho de não ser essa mulher que é apenas o que se diz que a mulher pode ser.

Ponto a ponto. Vai à frente e volta atrás. Recusando-me a ser flor. Recusando-me a ser ponto. Recusando-me a ficar aos pés de seja lá quem for.

Mas bordar a ponto pé-de-flor esse sonho de não ser não foi suficiente. Bordei a cheio o desejo de não ficar no vazio convencional das coisas limitadas. E não! Não mantive o ponto dentro das fronteiras. Ultrapassei-as de propósito. Farta de barreiras. Farta de normas. Farta de limites.

Borde a recusa a ponto cheio. Um basta. Um chega. Não quero estar vazia!

Bordei. Bordei a rechelieu o grito que traçou as minhas próprias fronteiras. Em redor das minhas formas e dos meus vazios. Em redor das minhas próprias convenções, que se faziam ervas daninhas e proliferavam no centro das histórias que também era eu a criar.

Bordei. A ponto cruz. Fiz cruz sobre as coisas atiradas, insistidas, dissimuladas, intrínsecas e estapafúrdias. Tracei. Cruz atrás de cruz, feito rasura sobre o que se dizia que eu devia ser. E de cada cruz fiz estandarte. Não! Não sou essa mulher que se diz! Não sou essa mulher que se limita! Sou outra coisa… Sou algo que nasce e ascende, que cria novos limites. Sou quem quiser ser.

Costurei. Como se quer que uma mulher faça. Só que à minha maneira. O que descobri? A agulha é uma espada. E o que está roto, a precisar de remendo, é a sociedade.




 Marina Ferraz

*Imagem retirada da Internet



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