Ouvi dizer. Vai haver chuva nas terras altas. Nas… terras…
altas. Nas terras do céu? Será lá, onde moram os Deuses? E, se chove nas terras
divinas, o que podemos esperar nós, meros mortais, sem controlo nem razão? Ouvi
dizer. Vai chover. Nas terras altas.
Vai chover. Mas quem é que controla a chuva? Se, sobre as
cabeças etéreas do que se faz dogma se sente o cair das gotas do tempo, quem
pode dizer que é rei do firmamento?
Vai chover. Nas terras altas. Sobre as casas. Sobre os
carros. Sobre as árvores e os penedos e as rochas e os rios. Sobre as cabeças
dos Deuses. Todos eles. Seja qual for o credo.
Talvez, sobre os divinos ombros, façam surgir um
guarda-chuva feito de fio de ouro e raio de sol. E talvez não saiam molhados da
tempestade. Mas não podem travá-la. Já disseram. Vai chover. Nas terras altas.
Ecoa o trovão. Soa. Ressoa. Penetra os meandros da cidade
onde as raízes alicerçadas fazem crescer prédios e moradias. A floresta é de
cimento e betão. Faz soar mais seco o raio, à medida que deixa de ser luz e
passa a ser som. E, atrás dele, o murmúrio miúdo. Contínuo. O principiar
invernal de uma cascata fina, feita de lágrimas-nuvem.
Todos nós. Homens e Mulheres. Sediados na morada que assenta
em vales e montanhas. Orando aos Senhores das Terras Altas. Louvando os
Senhores das Terras Altas. Mas disseram. Ouvi dizer. Vai chover. Nessas terras.
Lançaram avisos e alertas. Dizem que vai ser pior lá. Nas terras altas.
Do outro lado. Fora da janela. Fora de mim. A chuva. O
trovão. O aviso. O alerta. Gotas que se formam no vidro. Desenhos que se criam
à medida que as gotas se acumulam e escorregam. Gotas. Rios. Pensamentos.
Enclausurados atrás dos meus olhos. Loucos. Fixados na chuva que cai. Abertos.
Demasiado abertos para não criarem estranheza entre os que se dizem normais e
sãos.
Mas a louca quer saber: por que razão é que chove lá? Nas
terras altas. E por que razão pedimos o impossível a quem não consegue, sequer,
travar a chuva? Quem é este Deus, tão pequeno e susceptível à tempestade?
Pergunto. Ninguém responde. A voz da rádio insiste. Vai
chover nas terras altas.
Talvez a chuva seja Deus. Um Deus que chora. Como eu. Um
Deus que é louco e incontrolável. Um Deus que cai e ascende. Em todo o lado.
Até nas terras divinas. Até nas terras do céu. Até nas terras altas.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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