Quando se vira a página para descobrir a contracapa da
agenda, define-se que é algo novo que começa. E celebra-se. Começa tão cedo a
celebração que ainda é feita na cabeceira do ano moribundo. Chamam-lhe “velho”.
Que desrespeito! E ele cala-se, recordando que nem toda a sua existência se
pejou de dor.
As pessoas não querem saber! Procuram a novidade das páginas
ainda virgens de um novo ano. Apregoam que nelas mora a mudança. E vestem-se de
esperança. Falam de sonhos. À beira da cama onde definha o ano que acaba.
Levam cuecas azuis e chapéus com números e óculos ridículos (como
as cartas de amor) para o meio da rua. E celebram. Como celebraram antes. O
novo começo. O término do ano. “Bom ano novo!”, gritam de euforia, antes mesmo
das badaladas. E todos se riem. Na cara do ano que termina. E, que os olha, complacente,
despojado de dias que lhe provem o valor e de forças para defender os seus
esforços.
Meu querido ano 2016. Não serei escrava das tuas memórias,
mas tão pouco me juntarei à amálgama mais ou menos amorfa que te celebra a
morte. Trago-te em mim para o ano que começa…
Enquanto morres, sento-me a teu lado. Para recordar aquele
dia de Janeiro, no qual me sentei à mesa farta para celebrar o aniversário da
Mariana e onde ri até chorar com as histórias. Amizade e plenitude e
compreensão. Na voz doce do André, vinda do escritório, ouvi nascer parte do “Via”
e, nas lojas de perfume, reforcei a minha capacidade de falar sem medo da minha
própria voz. Esse Janeiro, vou levá-lo comigo.
Mas foi Fevereiro. O Fevereiro onde vi mais um livro nascer.
Onde fiz maratonas pelos stands de automóveis para tentar arrendar um que não
me drenasse a conta. Sem fazer muito caso, celebrei o amor com um jantar
corrido no centro comercial no Dia dos Namorados. E recebi a exclusividade nas
mãos, com a garantia de que seriam muitos os dias passados em Cascais…
Estavas lá, meu doce 2016, quando, em Março, celebrei o Dia
do Pai à distância, vestindo o meu melhor sorriso em torno das maravilhas da
Hermès. E acompanhaste-me na direta que fiz com o meu companheiro, enquanto eu
trabalhava na escrita e ele fazia nascer “Os elementos”, à espera das 4 da
manhã: a hora de levar os meus pais ao aeroporto e o meu sobrinho ao sonho
infantil da Disney.
Foi um mês de encontros. Recebi, no mesmo aeroporto e com as
mãos aquecidas em copos de café, o sorriso jovial do meu irmão. O mesmo que me
anunciou, dias depois: “Vais ser tia!”.
Entrei em Abril com a notícia. Preparada para a receber como
quem recebe a Primavera, que tardou a ser quente mas veio em flor. E, de Abril
a Maio, o trabalho que me fez ausente, uma vez mais, no Dia da Mãe. Um dia adiado
mas que não desmarcámos, apenas para que eu pudesse vencer e dobrar mais um dos
meus objectivos pessoais. Ainda em Maio, deixaste-me, meu querido 2016, viver
dias cor-de-rosa. Com um sorriso no rosto e um aroma a Omnia no ar.
Junho. O mês de mim. A pertença eterna que tenho a quem me
fez, a quem me ama, a quem me quer. A tarde em família. A maluquice. A foto da
praxe. E a noite com o Helder e a Tânia. Copos virados e riso nos lábios. Fogos
coloridos no ar. Alegria. Depois, o orgulho na Leonor, que dançou como quem faz
piqueniques no sol britânico.
Houve o mês em que viste o amor fazer anos. O meu Julho.
Regado a sangria e francesinha e piza fora de horas. E a feira, feita na rua,
com nome de alho e aroma frutado. Um aroma que me levou às cores da maquilhagem
que se somava, por fim, às minhas qualificações, mesmo a tempo de Agosto… que
chegou com a minha avó.
Conversas cheias e doces, sobre a mesa, ao pequeno-almoço.
Café com leite e pão com manteiga. Noites de cinema em casa. O francês e o
português, remexidos e atabalhoados. E o trabalho. Tanto. Da escrita. Dos
perfumes. Do grupo de investigação. E os concertos que, em simultâneo, eram
tocados pelas mãos dele. E os parcos dias a apanhar amêijoa como se fosse ouro
na Foz do Arelho. Os dois banhos – um de piscina e um de mar. O sol.
A visita da Leonor, que fez morrer Agosto e nascer Setembro.
O aniversário do Ramiro. O aniversário do Helder. A idade de quem nunca me
envelhece. À medida que a minha mãe se afeiçoava a um gato, eu decidia adotar
um. Uma. A Samhain. Menina de olhos doces e pelo negro que, em Outubro, cruzou
a soleira da porta e se fez família. E, além da Samhain… o Samhain! O jantar, a
festa, a celebração, os amigos, as preces. O apagar, no caldeirão, da mancha
que fizera deste um mês passado na Neurologia B dos Hospitais de Coimbra. O
agradecimento pela vida e pela permanência do amor.
Novembro. Trago de Novembro o sabor do aniversário da minha
mãe e da minha sobrinha, então mais nova. E da conversa junto ao fogão. E do
abraço. Que mudou tanto. É um sabor a cheesecake que amarga um pouco no final… numa
nova ausência, no dia da Marisa… que se colmata em textos e mensagens e
chamadas. Mas nunca basta.
De Novembro a Dezembro. Um esfumar de memórias no cansaço.
Trabalho. Natal. Festas do pijama por entre fotografias. Mesa recheada de tudo.
De quase todos. E a notícia de uma nova sobrinha na distância. Com os olhos
verdes e o rosto dos pais. Celebrou-se tudo. Por entre trabalho e trabalho. Em
redor da mesa, o amor. Um amor que vinha de trás e que se contemplou também em
ti.
Sento-me à cabeceira. Vivi contigo tudo isto, meu querido
2016! Foi assim que me fizeste crescer. De permeio houve brigas e
desentendimentos. Contas para pagar, dificuldades. Mas não te desejo a morte
precoce nem quero que te substitua um ano melhor.
Quero que partas em paz. Sabendo do teu papel. E que deixes
entrar o ano que nasce com orgulho nos teus feitos.
Foi um feliz ano novo. Tal como profetizava a morte de 2015.
Foi um feliz ano novo. Porque, quando começou assim, novo, eu tratei de o fazer
feliz.
Até sempre, meu querido 2016. E obrigada por me teres levado
nesta louca aventura de 12 meses cheios e inesquecíveis.
Tua até às badaladas,
Marina Ferraz
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