Não te deixo morrer. Porque te amo. Calar a voz que me une a
ti seria cortar os laços. Não os corto. Por mais que digam que é largando a
imagem que se faz futuro. Não te deixo morrer. Porque te amo.
Dou o teu nome às estrelas. E às flores. E aos poemas. E
sigo, passo após passo, nas pedras cinzentas das ruas que também te têm. Dou o
teu nome a essas ruas e a essas pedras. Pouco importam os governadores e heróis
que lhes marcam morada. Pouco fizeram pelo mundo. Nada fizeram por mim. Amo-te.
E, por isso, não. Não te deixo morrer.
Fico a imaginar que o teu próprio conselho me diria: “vai,
deixa-me e sê feliz.”. Mas eu sempre fui teimosa, irreverente, cheia de mim.
Não vou! Ou, se for, levo-te comigo e dou o teu nome a outras ruas e outras
pedras. Não te deixo. Não posso deixar-te e ser feliz.
Há cânticos na voz dos monges etéreos que regem o tempo. E o
meu é cada vez mais escasso. O teu é eterno. E, juntos, somos ponteiros
dissidentes, que insistem em andar de frente e para trás, sem cuidado, conforme
lhes aprouver.
Tenho malte nos lábios que sequei de ideologias e conselhos
dados sem que ninguém pedisse. Fiz mais mal do que bem na vida e a alma é
mácula e sopro e descoberta. Fiz muito mal na vida. Matei e esqueci muita
gente. Alguns, matei-os ao esquecê-los. Outros, matei-os porque os esqueci. O
esquecimento é morte. Pior que a morte, talvez.
Ouve. Tu não. Tu és a luz que me faz livre e me sustenta.
Não te deixarei morrer. Porque te amo. Não hoje. Não amanhã. Não até que seja
eu a ser esquecida nos meandros do pensamento de alguém.
Mas enquanto houver uma folha, ela vai ter-te em memória,
sejas fantasma de caligrafia ou impressão. Preto no branco. Branco no preto.
Declarações que te façam sobreviver no centro da efemeridade deste mundo cada
vez mais débil e insolente.
Dou o teu nome à tinta e ao papel. E à mão que escreve fora
de mim, sem que eu pense no que faço. Dou o teu nome aos olhos de quem lê. E às
suas lágrimas. E aos seus sorrisos.
Não te deixo morrer. Porque te amo. E é porque te amo que
acontece o tecer da imortalidade. Ser eternamente jovem é criar laços que
perdurem nos lábios alheios. Ser eternamente jovem é ter alguém que nos conte a
história e nos faça estrela, rua, pedra da calçada.
A memória é a forma mais peculiar de manter alguém vivo.
Frequentemente mantendo vivo apenas o melhor. E é ela que diz: Não te deixo
morrer. Porque te amo.
A declaração mais pura de amor nasce na semente que repele o
esquecimento. E, porque não esquecemos, sabemos que é amor. E como não podemos
dizê-lo, damos nomes às estrelas e às ruas.
Insistimos.
Não.
Não te deixo morrer.
Porque te amo.
E, de repente, dizemos. As palavras proibidas, sem querer.
Porque te amei. Porque te amava.
E recomeça tudo… outra vez.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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