quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Quem é esse monstro




Perguntaram-me. Quem é o monstro? Uma resposta imediata. O monstro sou eu. Mas quem é esse monstro que tu és? Desassossegada, uma mente que nunca dorme, mergulhou no negrume de si. Quem é? Esse monstro que eu sou?
Plural, incompreendido, senhor de um nariz que é seu. Com muito para dizer, com muito para ouvir, com muito pouca vontade de dizê-lo e ainda menos de ouvi-lo. De extremos. De obsessões. De desejos. Vibrantes e lascivos. Ou inconsequentes. De falácias. De medos. De supostas coragens desarticuladas, que anulam o medo como se não existisse. Pisado. Dorido. Cheio de cicatrizes de suposta quebra e com um sabor metálico nos lábios eternamente cerrados porque falar se faz com as pontas dos dedos.
Tudo isto e mais. Mas quem? Quem é? Quem é esse monstro que eu sou?
Atormentado, feito de sonhos e panteísta. Eternamente devotado aos Deuses. Num plural que se faz vento suspirado. Do contra. A favor. Com um lugar de fala que abomina e ao qual se amarra. Desconhecido de si. Desconhecido dos outros. Concreto como a sombra e desiludido como os manifestantes da ordem da paz. Eternamente encontrando defeitos. Nos verbos e nas formas de dizer a, à, há. Completamente contra a ordem das coisas. Com uma necessidade profunda de encontrar uma ordem para as coisas. Obsessivamente controlador da forma como o tic e o tac se sucedem. Guardião de ponteiros de relógio. Senhor e mestre de agendas que se preenchem a lápis. E de um lápis que é tinta mental e só apaga a bomba.
Tudo isto e mais. Mas quem? Quem é? Quem é esse monstro que eu sou?
Vítima. Mas atacante. Defensor. Linha da frente na apologia do eu. Criador de massacres. Rasgando a pele com as unhas. Que pinta. Ou não. Consoante a maré. E o tempo. E o número de dígitos digitais na conta. Impulsionador de memórias que são ácidas. Bebendo do veneno dessas realizações inconcretas sobre palavras que foram ditos e gestos que foram feitos. Eternamente velho entre os jovens e para sempre menina, de saia levantada e lágrimas nos olhos. Correndo. Ora para lá, ora para cá. Sem saber a qual dos passados e futuros deve chamar presente.
Tudo isto e mais. Mas quem? Quem é? Quem é esse monstro que eu sou?
Adorador de mortes. Bebendo de seivas góticas a vida inebriada a absinto e tequila. Com um aroma de madeiras e frutos silvestres na camada inferior do vinho que abre, ao seu contrário. Porta fechada, com três camadas de muralha e duas de véu. Onde a sobreposição dos concretos se faz no horizonte onírico de desconhecimentos dispersos, inversos e invertidos em si. Na tortura ancestral do que se diz moderno e sem aceitar a modernidade tecnológica que transforma betão em estrelas cadentes e pessoas em autómatos que assistem a cloaca televisiva e dela geram algo que, redundantemente, ganha título de opinião.
Tudo isto e mais. Mas quem? Quem é? Quem é esse monstro que eu sou?
Amante e amor de quem não sabe caminhos consistentes para as terras veraneantes. Incapaz de se libertar dos espectros fantasmagóricos da paixão. Queimado e apaixonado pela mesma chama que dá alento aos ossos imundos e cheios de desencanto. E louco. Louco como só é quem, detido pelas amarras brancas de um abraço a si mesmo, passa os dias a olhar para o nada, vendo tudo e um pouco mais do que tudo.
Perguntaram-me. Quem é o monstro? Uma resposta imediata. O monstro sou eu. Mas quem é esse monstro que tu és? Desassossegada, uma mente que nunca dorme, mergulhou no negrume de si. Quem é? Esse monstro que eu sou? Não sei.




Marina Ferraz




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