Um dia. Um dia, eu escrevi um “i”. Esse “i” foi uma porta.
Essa porta levou a uma estrada. Essa estrada levou a um futuro. E o futuro
tinha muito passado dentro dele. E o passado tinha muitas histórias. E as
histórias eram feitas de verdade e de mentira e de imaginação. Um dia. Um dia
eu escrevi um “i”. Estava vestida de preto. Por cima da saia de folhos. Por
cima do corpo miúdo. Por cima do coração que batia. E pendiam-me os cachos do
cabelo, em caracóis imperfeitos. Com laçarotes de fita. Ao xadrez.
O quadro era de ardósia. O olhar era de complacência. Os
passos eram ofegantes preces, na direção do estrado. Os risos eram dor. E as
palavras eram mudas. E eu não tinha nada. Além do giz. Além da mão. Além de
mim. E do “i”. Esse que escrevi. E que estava certo.
Um dia. Um dia escrevi um “i”. O “i” foi um alfabeto
inteiro. O “i” foi um dicionário inteiro. O “i” foi universalmente galardoado
como senhor de todos os manuais. Havia milhões de possibilidades. Em cima do
estrado. No meio do quadro. Na pintinha feita com a mão a tremer. Um dia. Um
dia, eu escrevi um “i”.
Disseram-me que a vida era do direito. E eu tentei pôr o
tempo parado no espaço da ilusão, que começava com “i”. Guardado para mais
tarde, quando me faltassem vogais. Mas as consoantes da vida não bastam. E vêm
consoante a história. Não são bem assim. Tomam sentidos diversos e pintam
cenários que não são. O “i” não. O “i” era vogal. E uma vogal é só isso.
Inspirei. Fui buscar inspiração a histórias. Fui invisível no processo. Tudo
bem.
Eu sabia. Tinha escrito um “i”. E a vida não era vida sem
esse “i” que eu tinha escrito quando, aos seis anos, decidi a minha vida toda.
Decidi que a vida não era do direito. Virei a vida ao
contrário. Escrevi novamente esse “i”. Virei a folha ao contrário. O “i” passou
a ser “!”, um ponto de exclamação. E passei a ser o que, insistentemente, me
disseram que era impossível. Decidi que “impossível” é a única palavra com “i”
que eu não quero na minha vida.
Marina Ferraz
*Imagem retirada da Internet
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