As memórias são como minas terrestres.
E cada pegada é memória disso mesmo. Não eras o meu chão.
Nem os meus pés. Talvez uma espécie da sapato.Com sola grossa e salto alto. Que
me magoava e me torturava nos passos. Mas que, de alguma forma, também me engrandecia
e fazia sentir mais bonita.
No campo minado de uma vida sem ti, meio deserta, meio
arenosa, vou descobrindo que consigo andar. É verdade. Vou descobrindo que
consigo correr. Vou descobrindo que consigo dançar. E é sempre num passo
estável deste solo poeirento que descubro a força inevitável da decisão que é
ser feliz.
Mas, de repente. Merda! De repente o pé assenta. Na memória.
E explode tudo.
Pode ser pela agenda onde o teu nome ainda ondeia, em planos
que não vão acontecer. Ou no estúpido do calendário que não sabe saltar do 5
para o 7. Ou no risotto de cogumelos e espargos que traz o teu sorriso
pendurado no canto da panela.
De repente. O pé assenta na memória. Bang! Uma explosão que
me arranca a alma e a dilacera. E uma nuvem de fumo que me deixa sem ar.
Pedaços de mim por toda a parte. E vidro líquido, que escorre dos olhos e
espelha passados.
As memórias são como minas terrestres.
Não existe passo que não seja incerto. Nem atalho que impeça
os encontros. Está nas coisas mais pequenas. No elefante pousado no chão. No
café matinal. No travo aveludado dos vinhos. No sabor do mar ao tocar a pele.
Na posição adormecida que ainda entoa “agarra-me”. Na paisagem à porta de casa
dos meus pais. “Não vás”.
O amor que acaba deixa de ser um campo florido e passa a ser
um campo minado. Cada memória é uma mina terrestre. Quando se ama quem partiu,
cada passo é risco de memória. É preciso ter cuidado com o local onde pomos os
pés. Porque é a vida que nos pisa, quando tudo explode.
Não tenho medo de pensar em ti. Mas a recusa do sofrimento
tem mais do que estradas de concreto. Assobiar melodias não apaga os perigos. E
eles estão em todo o lado, porque, de alguma forma, durante muito tempo, reduzi
os meus dias à ideia de nós. Esgotou-se o “nós” e fiquei eu. As memórias são
como minas terrestres. E o caminho é longo.
Se podia parar? Podia. Mas eu nunca desisti de nada.
Não desisti de tentar.
Não desisti do amor.
Não desisti de ti.
E, certamente, não vou desistir de caminhar só porque a vida
colocou no caminho recordações que se tornam explosivas com o som da tua
desistência.
As memórias são como minas terrestres. O caminho é longo.
Mas, se atrás deixo pegadas e sangue, faço-o pela possibilidade das memórias
que ainda não criei.
Quem sabe. Talvez essas sejam flores.
*Imagem retirada da Internet
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