Fotografia de Analua Zoé
Modelo: Ana Leonor Jesus
Ele disse-me que ainda não queria
morrer. E eu disse que não me importava. Tínhamos quase a mesma idade. Ele era
novo e eu era velha. Era aí que residia a diferença.
É difícil ser velho.
Principalmente quando ainda se é novo. O tempo alonga-se e cabem muitos dias
num dia só. Cabem muitas vidas neles. Como se os sulcos na alma fossem rugas na
pele e deixassem marcados anos-luz de vida. Como se esses mesmos sulcos fossem
margens e no seu centro corressem rios, feitos de lágrimas salobras, solitárias
e sós.
Ser velho, quando se é novo não
causa cansaço mas desprendimento. Não existe o desnorteio de não saber para
onde ir. Repleta de certos e de errados mas consciente de ambos, a alma sabe
para onde se dirige e vai. Chega-se mais depressa, embora com passos mais
lentos… porque se sabe o destino e não se busca a aventura dos labirintos que
ficam nos trilhos mais demorados.
Ele disse-me que ainda não queria
morrer. E eu disse que não me importava. Tínhamos quase a mesma idade. Ele era
novo e eu era velha. Era aí que residia a diferença. Ele media a vida em
momentos e eu media-a em essência. E ele perguntava “e se”, onde já não tinha
espaço para interrogações.
Ser velho, quando se é novo faz
com que as perguntas se substituam pela compreensão de que não existem
respostas certas. A vida não é matemática, como querem fazer-nos crer. A vida é
uma sucessão de incompreensões, que passa sem que entendamos metade e que nos é
mais doce quando paramos de lutar contra ela.
Ser velho significa também isso.
Parar de lutar contra a vida. Ir no seu embalo. Tentar ajustar as velas ao
vento, apenas para que ela não fuja da rota da nossa consciência e dos nossos
princípios.
Indo com a vida, descobrimos que
ela se dá a quem se deixa ir. E o medo da morte desaparece porque, de repente,
os sonhos foram cumpridos. Amámos, fomos amados, escrevemos, publicámos,
ouvimos canções com palavras nossas e subimos a palcos com várias peles.
Honrámos os Deuses que tínhamos de honrar, plantámos as plantas que tínhamos de
plantar, colhemos os frutos que tínhamos de colher. E, depois disto, temer a
morte parece ridículo. Porque ainda que nos sobrem experiências para viver, em
essência sabemos que foi perfeito.
E, claro, disse-lhe eu, se houver
mais, vou tentar aproveitar cada momento. Mas foi pleno o suficiente para que
não haja “e ses”. Estou em paz comigo. Ele respeitou mas não entendeu. Mais
difícil do que ser velho, sendo novo é entender o velho-novo quando se é
novo-novo.
Ele disse-me que ainda não queria
morrer. E eu disse que não me importava. Tínhamos quase a mesma idade. Ele era
novo e eu era velha. De repente, quando se é velho, por mais que queiramos
viver, já não é muito importante estar vivo. Mas, Deuses, eu também gostava de
ter o amanhã para poder sentir, por mais um dia, a paz de poder morrer agora e
estar tudo bem.
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