Abraças-me. A máquina de lavar
louça está ligada e ouve-se o som contínuo e persistente do seu uso. Os carros
passam e os seus pneus cantam, levantando a água das bermas. O vento agita o
saco de plástico que a vizinha tem no estendal. E o relógio da cozinha faz o
sonoro tique-taque, que já se tornou mudo do hábito.
O teu coração tem o ritmo das
metrópoles. E a respiração é densa e produz um sopro leve, de mel auditivo. A
chuva bate nos vidros. Intensa. E a gata caminha pela casa, tocando levemente
com as pontas das unhas no soalho, com uma percussão leve e despreocupada.
Fico agarrada a ti. Junto à parede
de azulejos floridos. Abraças-me e fico agarrada a ti. Como se não importasse
nem a louça, nem a hora, nem a chuva ou o vento, nem mesmo a gata ou o bater do
teu coração. Abraças-me e nada importa além do abraço.
Bebo dos sons. Não me largues. Não
me largues. Não me largues. O espaço do silêncio, contigo, parece-me maior.
Povoado deste compasso. Não me largues.
Mas a máquina de lavar louça pára.
E a estrada esvazia-se de carros. A brisa não chega nem para agitar os
dentes-de-leão e o sol brilha. Percebo que o relógio parou. É sempre a mesma
hora, agora. E não ouço o teu coração ou a respiração leve. Será que morreste?
Será que morri? Será que morremos?
Percebo que tenho os dedos nos
braços. Os dedos nos meus braços. Os meus dedos nos meus braços. E abro os
olhos. Estou a morrer. Tenho sede de sons. Estou a morrer. O silêncio cria
vácuo nos tímpanos e na alma.
Olho o relógio parado. Reclamo,
não do mas com o relógio parado. Se o tempo ia parar, podia ter parado quando
me abraçaste. Podia ter parado aí. Agora não. Agora não.
Abraçaste-me? Foi real?
Abraçaste-me! Eu lembro-me. Estava a chover. Havia carros na rua. Flores nos
azulejos. E o relógio. Tic-tac. Tic-tac.
O relógio parou.
Há o silêncio. E os meus dedos
sós, nos meus braços carentes. Subo pelas ervas daninhas dos azulejos e
sento-me no ponteiro parado. Ouve…
Abraça-me. Abraça-me. Abraça-me. Abraça-me. Abraça-me. Abraça-me. Abraça-me.
Abraça-me. Abraça-me…
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