Revolução é, literalmente, o ato de revolver. Faz-se a fogo. Nem sempre se revolve com um revólver, é verdade. Mas, usualmente, faz-se na lei. Nessa. A da bala.
Empunharam cravos. Cravos. Vermelhos como o sangue. E as ruas mantiveram a calçada branca imaculada. Com passos. Militares. Rumo à liberdade. Capitães. Do mês das chuvas. Chovia o sonho. Alagava a alma. Esse. O da liberdade.
Livres, como as gaivotas. Ao som das canções. Nas vozes do povo. Unido. Vencedor. Senhor do tempo que fora da outra senhora. Livres, como os cravos vermelhos empunhados. Nos canos de espingardas virgens de sangue.
Cantou-se o cravo. E a vida. E a mudança. E a vida. Entranharam-se os cravos, com todos os seus rebordos recortados. E a vida. Plantaram-se os cravos, cortados uma vez por ano para celebrar, nas ruas a liberdade.
Uma vez por ano, a liberdade na voz soava à revolução. Noções disparadas na ponta das línguas contentes, dispostas a celebrar a vida nessa emoção liberta de passados que, aos poucos, começavam a repetir-se quando o mês não Abril.
Ruas cheias de gente. Hoje vazias de gente. Onde se despiam máscaras de tirania. Onde se vestem máscaras de tirania. E cravos. Cravos vermelhos. Cantam-se os cravos. E a vida. E a mudança. E a vida. Entranham-se os cravos, com todos os seus rebordos recortados. E a vida. Plantam-se os cravos, cortados uma vez por ano para celebrar, longe das ruas – e sem a união do povo - a liberdade. A liberdade. Que esvai, aos poucos, no chão de pedras brancas imaculadas, tantas vezes negadas aos passos.
Canta-se o cravo. E a vida. E a mudança. E a vida. E a liberdade. Que começou a morrer. E ia morrendo. E aqui permanece, na borda d’água de um estado de direito, que rouba o direito. Passo para o abismo incoerente.
Dos heróis. Dos que denunciam. Dos que saem e confrontam. Outrora se dizia pátria. Hoje, pária. Levam cravos. Acreditam. Na vida. Na liberdade.
Mas revolução é, literalmente, o ato de revolver. Faz-se a fogo. Nem sempre se revolve com um revólver, é verdade. Mas, usualmente, faz-se na lei. Nessa. A da bala.
As pessoas esquecem. Imagino o som silenciado das gaivotas com os disparos. Tiro certeiro, calando novas ditaduras que se propagam e se negam. As pessoas esquecem. E sinto as mãos agrilhoadas à falsa liberdade de uma constituição trespassada pelo esquecimento. As pessoas esquecem porque o chão, imaculadamente branco, não tomou a cor dos cravos recortados.
O problema não são os cravos, mas o esquecimento. As pessoas esquecem. É simples esquecer. Cravos. Balas não. Porque é mais fácil varrer as pétalas do que o sangue.
Revolução é, literalmente, o ato de revolver. E eu sei-o. Mas não quero matar a paz com a guerra. Ainda que muito da paz se tenha conhecido nessa lei. Nessa. A da bala.
Grito. Palavras-bala, que me tornam a pária. E vou de braços abertos. Para que os outros, com as balas de metal, me perfurem com mentiras ocas e regras vazias. Deixo a espingarda em casa. Piso as pedras imaculadas. Meio louca, mas lembrando o que nem vivi, sigo a querer acreditar nos cravos e que eles são as balas certas. Vou.
Se perguntarem por mim, fui comprar flores.
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