Ter coisas incomoda(-me). Este é
um conceito estranho. Eu sei. Mas ter coisas incomoda(-me). Como se as divisões
fechassem e houvesse um nó na garganta. Uma espécie de sufoco. Paredes que se
fecham e reduzem o espaço aos limites do corpo. Apertam o corpo. Esmagam o
corpo. Eu não sabia que as coisas que povoam as estantes nos pesavam nos ombros.
Mas tenho vindo a descobrir isso, com o tempo. É um incómodo incontornável –
que sempre existem objetos de valor emocional que vão ficando - mas é um
incómodo real. Maior quando sabemos que o nosso excesso é a falta do outro.
Desisti dos monos. Mesmo dos que são “eventualmente úteis”. Se não uso, se não
serve, se não têm propósito, gosto de os destinar a outros, que os valorizem,
que precisem deles, que não se sintam incomodados, mas antes agraciados por
eles. E foi assim, senhoras e senhores, que cheguei a essa grande lavandaria
chamada grupos de doações do Facebook.
Há quem dê. Há quem peça. Há pessoas que trocam um produto por outro. E depois há a maioria: aqueles que criticam. Criticam os que dão. Criticam os que pedem. Criticam os que trocam. E até criticam os que, como eles, criticam.
Vem a pessoa que pede algo para a casa e surgem cem que dizem que o grupo é para doar, não é para pedir. De entre estes, pelo menos metade diz que qualquer dia as pessoas do grupo querem que se lhes mobile a casa inteira. Dessa metade, no mínimo 10% acha por bem responder a pedir um Ferrari vermelho ou algo no mesmo escalão de preço, troçando do pedido e daqueles que, tendo para dar, ofereceram a sua ajuda. É difícil encontrar estes – os que ajudam – no meio dos comentários.
Vem alguém que tem produtos alimentares não perecíveis, mas subjugados a prazo de validade caduco. Perguntam se alguém ainda quer, porque não vai usar por este ou aquele motivo. Vem a trupe que critica a dádiva fora de prazo. A trupe que diz que já comeu muita coisa fora de prazo e que não deviam criticar. A trupe que critica essa crítica porque o incentivo ao consumo de produtos fora de prazo é perigoso. E uma alma só que agradece e aceita o produto, com humildade e, possivelmente, medo de ser a próxima vítima das trupes.
Chega quem tem artigos danificados. E os mesmos (ou outros) se juntam para reclamar da qualidade da oferta. E os mesmos, ou outros, criticam e envergonham quem dá. Descendo no feed, alguém diz que dá sacos de coisas, mas só a quem levar tudo (provavelmente para desocupar) e vem logo uma horda de gente a reclamar de não poder levar só a peça A, B ou C.
Dar já não é fácil. Pedir muito menos. Cada vez mais pessoas optam por fazê-lo de forma anónima. E… adivinhem! Critica-se o anonimato! O que têm estas pessoas a esconder, afinal?
Fico atónita a olhar para os grupos de doações, essa lavandaria onde a roupa suja e a lavada vão para a máquina das opiniões em conjunto... Fico atónita. Tanto que, muitas vezes, preciso de parar e pensar o que raio ia publicar à partida. Quando dou conta, eu que me incomodo com estes monos dos quais não preciso e que podem fazer jeito a alguém, dou por mim a escrever um pedido em vez de uma doação: “Há alguém a doar milho para pipocas?”
Haverá críticas dos que acham que as pipocas não prestam, que as melhores são com manteiga, salgadas ou doces, que não tarda também têm de dar o bilhete para o cinema e valha-me Nosso Senhor das Longas Metragens…
Voltarei. Para ler os comentários. Quando houver pipocas.
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