Comprei uma cama-baú. Julgo que este foi o começo dos meus problemas. Comprei uma cama-baú. Dentro da minha cama há cobertores e mantas, lençóis e colchas. Comprei-a por isso. Porque me dava jeito o espaço de arrumação, numa casa onde o único armário embutido fica na entrada (o que só faz sentido quando nos recordamos de que a maioria dos arquitetos na época de construção do prédio eram homens!).
A colocação absurda do armário na entrada, no entanto, não foi o começo dos meus problemas. O problema foi mesmo a igualmente absurda decisão de comprar uma cama-baú. Tenho a certeza de que foi esse o começo do problema. Porque os monstros deixaram de poder esconder-se debaixo da cama, não tinham armário no quarto, e decidiram, todos de uma vez, voltar para casa da mãe... assentaram arraiais no meu peito e, desde então, é um vê-se-te-avias.
Dentro de mim anda tudo desarrumado. Tenho meias espalhadas por todo o lado (seriam inteiras, mas eles partiram quase tudo), está tudo sujo com uma poeira datada e negra, cheira a mofo e a desassossego. Não contentes com a confusão, foram à caixa das recordações e começaram a emoldurá-las. De repente, todas as faltas me fazem mais falta. Uma reposição de sentimentos que estavam resolvidos, lutos desfeitos e espalhados nos recantos de mim.
Gostava de poder pagar-lhes um quarto algures, para lhes dizer, de uma vez por todas que o meu peito não é uma república coimbrã. Mas – bênçãos da inteligência artificial – o que ganho agora mal dá para pagar as minhas contas, quanto mais as deles.
Não devia ter comprado a cama-baú. É certo que tem arrumação e que até foi baratinha... mas devia ter comprado uma cama com pernas, para o diacho dos monstros se manterem na sua saudável vidinha e só me fazerem cócegas à noite, com tentáculos permeando os sonhos notívagos.
O meu peito é, agora, o armário embutido onde se escondem. Sinto-os debruçados nas janelas dos meus olhos, em plena noite, acordados como se os alimentasse a cafeína. Lá ficam, a atirarem balões de água aos transeuntes. Eles rebentam e molham-me a almofada.
Sinto-me cansada como se nunca dormisse. Apesar de ter uma cama-baú com um colchão suave e macio.
Sinto-me cansada. A culpa é dos monstros desalojados. E também dos que se alojam em altos cargos, fazendo a mesma triste figura, mas dentro de fatos que eu não poderia pagar.
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