Diretamente da América para os meus ouvidos. A solução. A resposta. O milagre. Queridos colegas, amigos, conhecidos e desconhecidos neurodivergentes... não procurem mais! Estamos salvos. Curados. No futuro seremos tão neurotípicos que, se o eu de hoje olhasse para o eu de amanhã, o acharia profundamente chato e ridiculamente padronizado.
É só... aguardem: deixar de tomar ben-u-ron!
Elementar, meu caro Watson. Se aumenta a venda de paracetamol e aumenta o número de crianças diagnosticadas com autismo... o paracetamol causa o autismo. Estudos para quê?
Escutemos com assombro e
resignação, admirando as maravilhas do endeusado conhecimento-novo da ciência da
falácia. Celebremos. É a maravilha do pensamento lógico: No inverno vendem-se mais mantas. No inverno chove mais. Logo a venda
de mantas provoca tempestades!
No envolvente abraço de uma exaustão difícil de explicar – estive com pessoas – enquanto repito, ao jantar, todos os outros jantares da semana – e estranho qualquer textura que não seja concordante com a habitual – e vou sentindo – com todos os excessos – o bom e o mau do dia, repetindo todos os diálogos que tive no último mês para ter a certeza de que percebi bem tudo o que se está a passar na confusão atípica da minha vida, apercebo-me de que não é apenas um oceano de água que me separa desta notícia, mas um oceano de lucidez.
Lembro as palavras de Beauvoir: Ninguém nasce mulher, torna-se mulher. E eu, que mulher me tornei, autista já era... e, mesmo assim, só soube que era autista depois de me saber mulher. Tenho vivido na luta para aprender a viver com sê-lo. Autista e mulher. Num mundo que é preconceituoso e agreste para ambas as categorias e as obriga a viver atrás de uma máscara socialmente conveniente para não incomodar os outros.
E, afinal, era só evitar o ben-u-ron. Era só a minha mãe ter evitado o ben-u-ron. Era só...
Aprendi a neurotípica ironia. E uso-a com a minha máscara de fora. E com os meus dedos solitários, que embatem no teclado com a força que gostariam de imprimir, de palma estendida, no rosto de alguns génios-de-esgoto. Esses, que apresentam o teofânico potencial de um solução para o autismo, livre e liberta de quaisquer estudos científicos que a comprovem.
Responsavelmente baseando-se em nada, o presidente americano trouxe assim a boa-nova. A solução que ninguém procurava. A resposta à pergunta que ninguém fez. O milagre da transformação de falácia em conclusão. Era mais fã do tempo em que transformavam água em vinho (mesmo que isso não seja grande milagre, se considerarmos que 85% a 90% do vinho é água). Este é um milagre da lavra da América que é grande outra vez. Grandemente imbecil. E os ofendidos podem agora dizer que um homem não é uma nação. Não é... mas quem é que o pôs lá?...
Seja como for, já sabemos. Futuramente, menos paracetamol se quisermos uma geração com uma organização cerebral normativa... só temos de ir perguntar à mãe do senhor-do-pódio o que é que a mãe dele tomou. Para que não seja uma geração à sua imagem. De gente sem cérebro...
É que o cérebro do autista é
diferente... mas, pelos menos, temos um!
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