Razão tinha Edvard Munch. Corria o ano de 1893 e ele sabia. Mas não era pioneiro de saber. Antes dele, tenho a certeza de que outros souberam. Beethoven, por exemplo, deve tê-lo sabido antes de 1796, quando a surdez começou a dar sinais. E, se fossemos a andar para trás, na busca dos cautos, acabaríamos nas cavernas, como acabou Platão em cerca de 375 a. C., a descobrir que, mesmo antes, já se sabia o que, agora, parece novo. Há coisas que, não sendo para que todos as saibam, são tão senso comum...
Hoje, falo de Munch porque olho a janela do mundo e vejo o grito. Um céu em chamas. O ar que ondeia, deserticamente, fazendo alucinar o dicionário. Sigo, como olhos ocos, as palavras dos outros. Tantas palavras para tão pouco pensamento. O ódio ao termómetro. O ódio aos outros. Até este calor é culpa do imigrante, do gay, das mulheres. E o termómetro vai acusando a subida. 40ºC. 46ºC. É demais. Ouvimos. Não se entende. Queixam-se os que vão a caminho da praia e os que têm de ir para o trabalho, onde o ar condicionado trabalha sem horário. Queixume atrás de queixume, no segredado riso da Terra, que reage sem culpa a anos e anos, e décadas, e séculos de agressão.
As alterações climáticas são, é claro, a mentira do nosso século. Discurso de uma esquerda caviar que quer fazer com que nos esqueçamos do importante: a raça. E todos sabemos que a raça portuguesa é de mar e glória, onde o clima é temperado e tirano. Está pouco habituada a este calor. Descrição que continuaria se não estivesse a ter um ataque de nervos só de o reproduzir. São mariquices, alergias, maleitas de gente de esquerda, de sintomas inevitáveis quando, ainda que ironicamente, se tenta reproduzir esse discurso semi-arbóreo, nascido mentes adubadas a estrume neonazi.
Volto a Munch que, mal por mal, é arte. Olho a janela do mundo e vejo o grito. Um céu em chamas. O ar que ondeia, deserticamente. E, voltando ao artista e ao famoso quadro, deixo um pensamento que nada mais quer do que tranquilizar aqueles que julgam que vos escrevo de uma piscina ou de uma casa com ar condicionado, toda cheia de privilégios: Também estou com calor! Não tanto como os escravos modernos que estão a palmilhar ruas para ganhar trocos, nem como os sem-abrigo. Não tanto como as pessoas que trabalham sem condições ou que passaram a tarde na fila para as repartições públicas. Mas também estou com calor.
O meu país está a derreter. Nos seus valores. Na sua política. Na sua economia. Na sua forma de ser, estar e pensar. O meu país está a derreter. Os termómetros acusam temperaturas impensáveis. E ainda agora começou julho... O meu país está a derreter. Mas sabem que mais? Estão a queimar as nossas vidas. A nossa liberdade. A nossa voz. E, longe, perto e dentro, Gaza está a arder. Vamos falar sobre isso? Ou é só um discurso da esquerda caviar? Ou também é a mentira do nosso século?
Estão 46ºC na capital, eu sei. Custa? Custa! Escrevo-vos suando. Mas não é só calor... também é areia nos olhos. Como Munch, sabemos... Falemos do que importa... Gritemos.
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